São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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A ajuda de Chirac

CELSO PINTO

A visita do presidente francês Jacques Chirac deixou o Itamaraty e o Planalto exultantes. É o reforço que o Brasil precisava antes da visita do presidente americano, Bill Clinton, em maio.
Chirac veio transformar em fatos e propostas a peça de resistência do discurso brasileiro nas relações externas: o fato de ser um "global trader", ou seja, um país com interesses comerciais diversificados. Helmut Kohl, da Alemanha, já havia deixado sua marca na visita ao Brasil, mas Chirac foi além ao propor o encontro de cúpula entre a União Européia e o Mercosul.
No ano passado, 27% das exportações brasileiras foram para a União Européia, 19% para os Estados Unidos e 15% para o Mercosul. Amarrar as negociações de comércio a um compromisso rápido de redução tarifária apenas com os Estados Unidos não é necessariamente a estratégia mais interessante para o Brasil.
A pressão americana sobre o Brasil e o Mercosul vinha subindo de tom, mas a avaliação, no governo, é que o pior já passou. O único fato novo que poderia virar o jogo a favor de Washington seria a obtenção por Clinton do "fast track", a autorização do Congresso para que um acordo comercial firmado pelo Executivo só possa ser aprovado ou rejeitado em bloco, não emendado.
Sem o "fast track", usado no Nafta (acordo de livre comércio) com o México, nenhum acordo de redução de tarifa é viável. O que o governo americano acertasse estaria sujeito a pressões para mudanças pelos lobbies específicos no Congresso. O que poderia jogar acordos comerciais complexos na estaca zero.
As chances de Clinton obter o "fast track" são mínimas, dadas as resistências políticas internas. Sem ele, o poder de pressão americano fica reduzido.
Há um cuidado explícito do Itamaraty, contudo, de não deixar que sua posição se confunda com confrontação antiamericana. Não há contencioso com os Estados Unidos, observa-se no Planalto. Só um louco iria brigar de frente com os americanos, ouve-se no Itamaraty.
O Brasil não resiste à idéia de transformar a América Latina numa zona de livre comércio através da Alca. Propõe que a conversa comece com medidas para facilitar o comércio (98 e 99), entre na questão dos procedimentos aduaneiros, regras anti-dumping e subsídios agrícolas até 2003 e só a partir daí siga para a redução de tarifas. Os Estados Unidos querem conversar primeiro sobre redução de tarifas.
Até recentemente o Brasil receava que a Argentina, que durante anos namorou com a idéia de negociar um Nafta com os Estados Unidos, pudesse balançar o barco do Mercosul. Hoje, a avaliação é que a Argentina foi longe demais para mudar de idéia: 27% de suas exportações em 96 foram para o Brasil e explicaram 38% do aumento das exportações totais.
Quase 60% das exportações argentinas ao Brasil ficaram entre petróleo (US$ 950 milhões), veículos e autopeças (US$ 1,7 bilhão), trigo (US$ 816 milhões) e algodão (US$ 223 milhões). "Você acha que eles conseguiriam vender isso tudo aos Estados Unidos, com ou sem Nafta?", pergunta uma fonte do governo.
Varejo francês
Chirac discutiu o atacado mas não descuidou do varejo. Nas conversas entrou até a venda de quatro helicópteros para a Presidência, que os americanos queriam fornecer. Além disso, trocou-se a compra de um canhão francês para equipar os aviões brasileiros Tucanos, pela compra de Tucanos pelos franceses.
A lei, ora a lei
Existe uma dose de surrealismo no bate-boca entre o governador de Alagoas, Divaldo Suruagy, e o Banco Central. O artigo 33 das Disposições Transitórias da Constituição diz que os Estados só podem emitir títulos para precatórios e no exato valor anual do gasto com eles.
Suruagy disse que emitiu para pagar usineiros, não precatórios, porque mandou o pedido ao BC e ele aceitou (o que o BC nega). O que estabelece o princípio que um governador só deve respeitar a Constituição se o BC mandar.
O governador de Santa Catarina, Paulo Afonso Vieira, diz que desviou dinheiro dos precatórios porque outros tinham feito antes e o de Pernambuco, Miguel Arraes, porque ficou sem dinheiro para pagar contas importantes. Ficam valendo, portanto, duas regras adicionais: governador também não precisa cumprir a Constituição se alguém não o tiver feito antes, ou se o cofre estiver vazio.

E-mail CelPinto@uol.com.br

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