São Paulo, terça-feira, 18 de março de 1997
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...E la nave và

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - O Estado lembra um pouco os navios modernos, desses que não afundam porque seus porões são compartimentados: aberta uma avaria no casco, em menos de dois minutos as comportas internas isolam o local. Um, dois ou três porões são invadidos pelas águas, mas o barco continua em condições de flutuar ou navegar.
A comparação náutica pode parecer fantástica, mas nem tanto. O Estado é uma nave imensa e disforme que navega em águas perigosas, sujeita a redemoinhos sociais, a maremotos econômicos, a tornados ideológicos. Se fosse velho como o Titanic, podia ir para o fundo ao primeiro iceberg com que topasse. A técnica nos navios, e o corporativismo nos Estados, ensinaram a isolar os rombos que impedem o naufrágio total.
Para as eventuais trombadas no oceano da corrupção, o sistema de comportas funciona bem. Aberta uma avaria, a massa de água invade um, dois, três porões. O sistema de alarme entra em ação, pesadas portas se fecham isolando o desastre, limitando o escândalo aos porões que deram azar. Foi assim com Collor, com os anões do orçamento e será com os precatórios.
Desde os tempos bíblicos que os marinheiros costumam atirar ao mar aqueles que não estão dando sorte. O profeta Jonas foi parar no ventre da baleia, antecedendo de alguns séculos o velhinho Gepetto, que também deu azar ao procurar Pinóquio.
Isolados os porões avariados, o barco pode continuar flutuando ou até mesmo navegando. Mas, para todos os efeitos, é um barco avariado. Não inspira confiança.
É assim que se deve ver a sucessão desses escândalos com o dinheiro público. O Estado é moderno o bastante para atirar às águas os Jonas e Gepettos. Aciona as comportas que isolam o rombo. Mas o erro de navegabilidade que provocou o desastre permanece à espera de outros impactos que inundarão outros porões. O navio continua navegando, meio emborcado, totalmente desmoralizado. Ele vai, mas não chega a parte alguma.

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