São Paulo, terça-feira, 18 de março de 1997
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O desenvolvimentismo hoje

ANDRÉ LARA RESENDE

Em entrevista ao "O Estado de S.Paulo' no domingo passado, Francisco Lopes foi questionado sobre um possível recuo da Fazenda ao concordar que apenas a metade dos recursos da privatização da Vale fosse utilizada para abater a dívida.
Houve um acordo entre os fiscalistas e os desenvolvimentistas, respondeu o diretor de política monetária do Banco Central, reconhecendo a existência de duas correntes no governo.
Os chamados fiscalistas defendem a necessidade de acelerar as reformas de fundo para reduzir o déficit e consolidar a vitória sobre a inflação. Segundo eles, o déficit atual é incompatível com a estabilidade monetária. Os recursos da privatização devem ser integralmente usados para controlar o crescimento da dívida até que as reformas criem as condições para a retomada do crescimento sustentado.
Os chamados desenvolvimentistas, à maneira dos anos 50, associam o crescimento a uma política agressiva de gastos e de investimentos públicos.
Sem discordar da necessidade de equilibrar as contas -afinal, em tese ninguém é contra-, defendem a retomada imediata dos investimentos em infra-estrutura e a criação de fontes públicas de financiamento para os investimentos privados. Só assim o governo evitaria o desgaste político de insistir nas reformas sem aplacar a impaciência dos aliados e calar os adversários com grandes obras.
A solução salomônica dada para a utilização dos recursos arrecadados com a privatização da Vale é até particularmente engenhosa.
O Tesouro transferirá parte das ações da Vale de sua propriedade para o BNDES que, em contrapartida, assumirá valor equivalente da dívida do FCVS -para quem não se lembra, trata-se da conta dos anos de demagogia com os mutuários do falecido Sistema Financeiro da Habitação. Como o desembolso do FCVS se dará ao longo dos próximos anos e os recursos da venda das ações da Vale entram imediatamente, o BNDES poderá utilizá-los transitoriamente para conceder empréstimos ao setor privado.
Acontece que a taxa de juro a ser cobrada nesses empréstimos será, como reconhece o próprio Francisco Lopes, "marginalmente menor do que a que o Banco Central e o Tesouro pagam nos seus títulos".
Sejamos claros: são empréstimos subsidiados. Como o setor público nunca se destacou pela boa avaliação de risco, é de se esperar que a taxa de inadimplência também não seja das mais baixas. Conclusão: trata-se, pelo menos em parte, de despesas que passam ao largo do orçamento.
É sempre possível encontrar formas mais ou menos aceitáveis de criar despesas que não passam pelo orçamento e não se refletem nos números oficiais do déficit. Independente da ginástica intelectual utilizada para justificá-las, cedo ou tarde elas se farão sentir na dívida pública.
Não deixa de ser irônico que a forma encontrada para criar nova fonte de despesas não orçamentárias seja a transferência para o BNDES de títulos de uma dívida criada por um dos subsídios mais demagógicos, e jamais orçado, da última década.
Mas que não se tenha dúvida: desenvolvimentistas hoje são os que pregam o respeito ao orçamento e defendem as reformas para a recuperação da poupança pública e privada. Tudo mais é a velha demagogia.

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