São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 1997
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Vendedor-mirim repete na escola

DA REPORTAGEM LOCAL

Como grande parte das crianças pesquisadas, o garoto Jorge Augusto Ramalho, 14, começou a trabalhar aos 11 anos de idade. Todos os dias, das 7h30 às 18h, ele trabalha como vendedor de baterias em uma oficina.
À noite, das 19h30 às 22h50, ele se junta a outros 29 alunos que frequentam as aulas noturnas da 6ª série na Escola Municipal de Primeiro Grau Marcílio Dias, no Imirim (zona norte de SP).
Na sua idade, ele deveria estar concluindo o 1º grau.
Entre os colegas de classe de Ramalho estão outros adolescentes com idades entre 14 e 17 anos. Muitos também trabalham durante o dia, o que é um dos fatores que leva à defasagem na sua situação escolar.
Ao ser questionado sobre como arruma tempo para estudar em casa, o garoto abre um sorriso. "Não dá tempo", diz.
Como ele, entre 10% e 32% das crianças entrevistadas declararam que só fazem as lições de casa às vezes. O motivo é que o trabalho absorve o tempo que deveria ser dedicado aos estudos.
Ele conta que no ano passado perdeu muitas aulas. "Eu tinha 49 faltas só em matemática, fora as outras matérias."
Segundo ele, sua tia foi até a escola explicar que ele trabalhava e ficou combinado que ele teria de repor as aulas perdidas.
"Até hoje não fiz a reposição, mas passei de ano", diz.
Entre as crianças pesquisadas em São Paulo, o índice de repetência foi de 62%.
Apesar dos problemas na escola, como a maioria absoluta das crianças pesquisadas, o garoto afirma que gosta de trabalhar.
"Gosto da profissão. Quase todo mundo na minha casa começou a trabalhar com 11 anos."
Assim como muitos dos pesquisados, ele tem o que a socióloga Suzanna Sochaczewski chama de visão distorcida da sociedade, encarando o trabalho infantil urbano como natural.
"Eles não terão, quando adultos, a distinção necessária para reivindicar que seus filhos não trabalhem", explica a socióloga.
O garoto recebe R$ 180 por mês e afirma que guarda uma parte na poupança e gasta o restante com ele.
Ao final de um dia de estudo e trabalho, ele chega em casa, come um lanche e dorme. "Às vezes só deito e durmo", diz.

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