São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 1997
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Bossa nova; Tropicália; Mangue bit (ou beat); Luiz Tatit; Arnaldo Antunes; Zélia Duncan; Chico César; Fred Zero Quatro

Bossa nova
O movimento musical fermentado nas areias de Copacabana divide em dois blocos a música popular brasileira neste século. Antes, havia a tradicional MPB, de Francisco Alves e Dalva de Oliveira. Em 1959, com o advento de João Gilberto, Tom Jobim e -um pouco mais tarde- Nara Leão, entrou em decadência o canto arrebatado da velha geração e se instalaram o jazz à brasileira, o canto suave, o banquinho, o violão e, em última instância, os fundamentos para que a MPB pudesse ganhar liberdade e se esfacelar em múltiplas direções. Produto moderno brasileiro, já no início dos anos 60 passou a render subgêneros, como a música de protesto de Elis Regina, Edu Lobo e outros, variante politizada da bossa, e o "samba esquema novo" de Jorge Ben (hoje Ben Jor).

Tropicália
Influenciada tanto pela bossa quanto por Luiz Gonzaga, tanto por Carmem Miranda quanto por Beatles, a tropicália explodiu em 67, revelando Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Mutantes, Tom Zé, Capinan, Torquato Neto. A partir daí, estava encerrado o reinado da pureza na MPB -o tropicalismo viria recombinar, numa só e nova receita, samba, jovem guarda, rock'n'roll, MPB da velha guarda, música brega e incontáveis outras modalidades musicais. De uma vez por todas, a MPB declarava sua intenção de sair do gueto regionalista e se inscrever no mapa mundial da música popular.

Mangue bit (ou beat)
Em 1993, surgiu aos olhos do país inteiro a evidência de que uma cena musical havia se constituído na cidade de Recife, em Pernambuco. Chico Science, da Nação Zumbi, e Fred Zero Quatro, do Mundo Livre S/A, lançaram os fundamentos do novo movimento: declararam-se caranguejos cibernéticos, com os pés enfiados na lama do mangue e as antenas voltadas para o universo, para a consciência dos fenômenos musicais planeta afora -representando, nesse sentido, uma revisão amplificada do tropicalismo de três décadas atrás. Formalmente, o substrato dos mangueboys tem sido o do confronto intelectual entre maracatu e hip hop, samba e rock'n'roll, cavaquinho e computador, rabeca e sampler.

Luiz Tatit
Sempre mais próximo da academia -é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP- que da música pop, Luiz Tatit integrou, no início dos anos 80, a banda Rumo, um dos pilares do que viria a ser apelidado "vanguarda paulistana". Os líderes da tendência foram Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção. O primeiro veio introduzir ao vale-tudo da MPB a influência de vertentes contemporâneas da música erudita, como música serial e atonalismo. O segundo trouxe formas pop experimentais coalhadas de funk, blues e soul e moduladas pela teatralidade nas apresentações ao vivo. O Rumo legou, além de Tatit, Ná Ozzetti, hoje cantora solo. No ano passado, Tatit lançou o livro "O Cancionista" (Edusp), em que mapeia as técnicas de fazer canções no Brasil desde Noel Rosa até Caetano e Roberto Carlos.

Arnaldo Antunes
O hoje poeta e compositor em carreira solo se fez notar ao surgir, em visual iconoclasta, como um dos oito integrantes dos Titãs, uma das bandas pontas-de-lança do novo rock nacional, potencializado pelo advento da Blitz, em 1982. O grupo, brega e sarcástico a um só tempo, chegou em levada new wave e -muito por influência de Arnaldo- estourou na confluência do rock agressivo e da poesia construtivista. Em 92, Arnaldo deixou a banda e seguiu carreira solo, lançando, até agora, "Nome" (93), "Ninguém" (95) e "O Silêncio" (96).

Zélia Duncan
O disco "Intimidade", lançado no ano passado, marca a chegada da cantora Zélia Duncan a seu auge, após uma trajetória longa e gradual. Cantando profissionalmente desde meados dos anos 80, ela estreou em disco em 1991, com "Outra Luz", ainda sob o nome artístico Zélia Cristina. O primeiro CD passou despercebido ao mercado e à mídia. Só depois do lançamento de "Zélia Duncan" (94) e de uma série de shows bem-sucedidos em São Paulo e Rio de Janeiro, sua música começou a ser notada. Alheia a modismos, Zélia pratica, hoje, uma mistura de gêneros de raiz -não necessariamente nacionais- como folk, blues e reggae.

Chico César
O cantor e compositor paraibano tem sido considerado a maior revelação da música popular brasileira dos anos 90. Calçada em elementos tradicionais da música negra (desde ritmos folclóricos da Bahia até gêneros de raiz africana e reggae), sua produção concentra-se em dois CDs: "Aos Vivos" (95) e "Cuscuz Clã" (96). Nos dois trabalhos, Chico mostra-se tributário direto da geração tropicalista e dos nomes que depois os sucederam. Reúne em suas composições características da voz e da música de Caetano Veloso, de Gilberto Gil, de Djavan e de João Bosco. Recentemente, suas músicas conheceram um "boom" de popularidade entre cantoras brasileiras. Maria Bethânia, Zizi Possi, Elba Ramalho e Daniela Mercury, entre outras, gravaram canções de Chico César.

Fred Zero Quatro
Fred Zero Quatro, líder da banda recifense Mundo Livre S/A, é um dos cérebros do movimento mangue beat -outro dos principais foi Chico Science, que morreu no início de fevereiro num acidente automobilístico, aos 30 anos. Zero Quatro frequenta a faceta mais politicamente preocupada do mangue beat, louvando em suas letras líderes latino-americanos como Sandino, Zapata e o comandante Marcos e protestando com sarcasmo contra episódios como o da fala comprometedora do então ministro Rubens Ricupero, captada por antenas parabólicas durante a campanha eleitoral FHC X Lula. Com dois discos lançados, "Samba Esquema Noise" (94), com título que faz referência a "Samba Esquema Novo" (63), de Jorge Ben, e "Guentando a Ôia" (96), Zero Quatro namora ainda de longe a popularidade em nível nacional -que mesmo Chico Science, mais afeito à mídia, não chegou a alcançar.

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