São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 1997
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O tempo, sempre o tempo

JOSÉ SARNEY

Diz-se nos EUA que o seu território é um dos mais ricos do mundo, mas em compensação Deus lhe deu uma infinidade de flagelos. Rara a semana em que não acontece nada naquelas vastas terras. É no verão, no inverno, na primavera ou no outono.
São furacões, nevascas, tufões, tornados, terremotos, secas e grandes enchentes. No Brasil, o Criador foi mais benevolente. Deu-nos secas e enchentes, mas poucos recursos para enfrentar esses males.
Essas comparações me ocorrem depois de alguns dias nos Estados Unidos e de testemunhar o noticiário de calamidades que enche a televisão. A gente fica com a impressão de que o país está se desmanchando.
Mas há uma organização civil poderosa e instrumentos estatais mobilizados e em alerta que, uma vez acionados, diminuem as consequências.
No Brasil, a situação é diferente. Como não temos costume de enfrentar as tragédias da natureza, as coisas vão sendo levadas na barriga.
Veja-se o caso do Acre. Ali, cerca de cem mil pessoas estão desabrigadas e entregues à própria sorte. Como se trata de um Estado distante e pobre, ninguém dá a menor pelota. A defesa civil simplesmente não funciona ou funciona mal.
No Nordeste, a situação é outra. É a falta de chuva. Até agora não choveu, e quem plantou perdeu. Está ocorrendo o que se chama a "seca verde". Pinga, respinga, mas chuva mesmo não vem. Há muitos lugares no mundo em que chove menos do que no Nordeste, mas eles não vivem a tragédia da seca.
Um exemplo é a Califórnia. Era o Estado mais pobre dos Estados Unidos, onde o solo é árido e sem chuvas. Hoje, é o Estado mais rico, com o dobro da renda per capita americana, oitava economia mundial; 40% das infovias e negócios na área de eletrônicos começam ou terminam na Califórnia.
Desde d. Pedro 2º, a seca comove os nossos corações. Ele prometeu vender as jóias da Coroa para combatê-la. Agora, nem Coroa nem jóias existem e cada ano é uma espera ansiosa.
O dia 19 de março é fatal. Os cordões de rezas correm as ruas do sertão nordestino e todos esperam que o inverno chegue. Antigamente, se até o dia de s. José não chovesse, era arrumar o jumento e virar retirante.
Hoje, é pegar o caminhão e encher as cidades com mais miseráveis. A meteorologia anunciou que ia chover. Chuviscou. Os corações nordestinos estão inquietos: vem um ano de seca?
O Brasil vive a euforia da estabilidade. O mundo colorido da TV nos dá a sensação de que a vida é um mar de rosas.
No entanto, a verdade é que o Nordeste ainda é um grande problema. E ali vive um povo bom e conformado.
Basta uma bruegazinha e o cearense diz (e um me disse certa vez, quando depois de um pé-d'água passei por Fortaleza): "Tá bom, dr. Sarney, choveu. Sapo tá morrendo afogado".
O tempo, esse inexorável tempo! Não somente o tempo do clima, mas o tempo, essa criação do homem, que passa por nós e nós por ele no caminho da vida. Por isso mesmo não damos tanta atenção ao tempo, quer prevenindo as calamidades ou não ouvindo os versos do frei Antônio das Chagas: "Ó vós, que tendes tempo sem ter conta,/ não gasteis vosso tempo em passatempo,/ cuidai enquanto é tempo em vossa conta".

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