São Paulo, sábado, 22 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O julgamento do prefeito

ANDRÉ RAMOS TAVARES

Nossa Constituição de 1988 erigiu como princípio, pela primeira vez em nossa história constitucional, a moralidade pública. A par disso, elevou qualquer cidadão à condição de fiscal permanente da observância pelos agentes públicos do dever de proceder com retidão e probidade no trato da coisa pública, para tanto oferecendo como veículo a ação popular.
Mais ainda, determinou expressamente que os atos de improbidade administrativa importariam em suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário (parágrafo 4º do artigo 37), no que foi regulamentada pela lei nº 8.429/92. Estão abrangidos aí tanto os prefeitos como os secretários ou quaisquer funcionários.
Dentre as condutas punidas encontra-se a de receber, para si ou para outrem, dinheiro ou qualquer vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, porcentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público (artigo 9º).
A essas condutas, a lei comina a sanção de "perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos" (artigo 12, inciso 1º).
Pune-se também facilitar ou concorrer para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial dos entes públicos. Ou ainda permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente.
Contudo, a Lei Orgânica de São Paulo (nossa "Constituição municipal") prevê que o prefeito, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções (artigo 72, parágrafo 8º). Nesse sentido, fez previsão idêntica às das Constituições estadual (artigo 49, parágrafos 5º e 6º) e federal (artigo 86), que cuidam do governador e do presidente da República.
É a denominada prerrogativa funcional de irresponsabilidade para infrações cometidas antes do início do mandato ou que, embora cometidas durante este, não apresentem correlação com as funções desempenhadas pelo prefeito.
O STF já se pronunciou, em acórdão de 1995, considerando inconstitucional, por ofender o princípio republicano, a previsão dessas prerrogativas para o governador de São Paulo, por entender que são elas inerentes ao presidente da República. Por maior razão, pois, é inconstitucional esse impedimento na Lei Orgânica.
Portanto, pode ser iniciado julgamento contra o prefeito ainda que por crimes anteriores a seu mandato. No caso, a competência é do TJ do Estado, expressamente prevista na Constituição Federal (artigo 29, parágrafo 10º).
Espera-se, portanto, que o Ministério Público cumpra sua missão, apurando qualquer ilícito, seja de improbidade, seja criminal, para o que dispõe do poder de requisitar documentos informações necessários (artigo 129, 6º, da Constituição Federal), independentemente da posição política assumida pela Câmara Municipal.

Texto Anterior: País proíbe clones humanos
Próximo Texto: Theotonio, profeta
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.