São Paulo, sábado, 22 de março de 1997
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Theotonio, profeta

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Lembrando as 42 edições dos Códigos Civil e de Processo Civil, anotados por Theotonio Negrão, escrevi que, se o direito for uma religião, Theotonio será seu profeta, tal a extraordinária importância daquelas obras, ferramentas imprescindíveis para o exercício profissional na área jurídica e instrumento básico para estudantes, útil até para os leigos.
Theotonio é cidadão permanentemente preocupado com a adequada prestação da Justiça oficial, aspecto bem destacado por Homar Cais na saudação proferida, em nome do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em homenagem a Negrão, há uma semana. Agradecendo, Theotonio fez análise da atividade judiciária, no seu estilo enxuto e claro, que hoje aproveito.
"Neste longo caminho percorrido como advogado e cultor do direito, sinto que ultimamente a Justiça vem atravessando sérios problemas, que nem o desmesurado esforço nem mesmo o sacrifício dos juízes conseguem vencer", começou ele por dizer, acentuando a necessidade urgente de solução para a crescente demora "na distribuição da Justiça, demora essa que equivale a verdadeira e inaceitável denegação de Justiça".
Theotonio considera simplista, "ingênua, onerosa e, a longo prazo, inviável" a idéia de "aumentar o número dos juízes e hipertrofiar a máquina judiciária". Entre as soluções que favorece está a da discutida súmula vinculante. Tenho defendido nesta coluna posição semelhante à dele, no discurso mencionado, ao dizer que, com a vinculação, "pelo menos se conseguirá, assim esperamos, impedir que continuem a União e as demais entidades de direito público a serem os principais litigantes de nossos juízes e tribunais".
Mencionei recentemente o carnaval congestionador do Judiciário, provocado pelo Poder Público. Theotonio teve palavras candentes, ao criticar a administração que abarrota os tribunais "com defesas meramente protelatórias, já rejeitadas em dezenas, centenas ou até milhares de casos iguais, julgados anteriormente. É verdadeiramente inacreditável que o Poder Público, a quem compete a tutela do direito, seja o mais renitente e às vezes o mais chicanista de todos os réus, interpondo uma pletora de recursos infundados, com a manifesta e pouco honesta intenção de adiar indefinidamente o cumprimento de suas mais elementares obrigações".
Theotonio favorece a dificultação de recursos extraordinários e especiais "apresentados unicamente para ganhar tempo". Bastaria, no seu entender, "que se considerasse definitiva a execução proposta na pendência destes e que ela fosse possível desde o momento em que intimado o acórdão, dispensada qualquer caução pelo vencedor", o qual responderia por perdas e danos, se provido o recurso do adversário, sem volta ao estado anterior.
Theotonio reconheceu mais "o número assombroso de feitos que sobem até o Supremo Tribunal Federal, numa avalanche invencível" e manifestou sua opinião de que essa corte deveria receber apenas "as questões constitucionais, que já não são poucas".
O quadro desenhado pelo escritor -que tem mais de 50 anos de efetivo exercício profissional-, ao lado das sugestões oferecidas para a resolução dos problemas mais angustiantes da Justiça, merece a atenção do leitor. Se não as levarmos em conta, com os acréscimos que a experiência sugerir, teremos em Theotonio um profeta de dias ainda mais angustiantes, na distribuição da justiça dos homens.

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