São Paulo, sábado, 22 de março de 1997
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O Brasil de santa Edwiges

FERNANDO DE H. BARBOSA

A previsão de 5% para o crescimento do PIB em 1997, feita pelo ministro Kandir, é um número possível de alcançar. A economia brasileira, depois da crise do início dos anos 90, começou um período de recuperação em 1993.
Essa recuperação só foi interrompida no segundo semestre do ano passado, em virtude das políticas monetária e creditícia restritivas que o governo foi obrigado a colocar em prática no primeiro semestre de 1996, com o objetivo de conter o aquecimento excessivo que ocorreu depois do Plano Real.
Este plano tem sido até agora um sucesso no combate à inflação, com o país se aproximando de uma inflação anual de um dígito, fato que não acontecia há algumas décadas. Esse sucesso tem contribuído para o alto grau de credibilidade que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso tem dentro e fora do país.
Essa credibilidade é extremamente importante para as decisões econômicas, pois as decisões de hoje dependem do que se espera que vá acontecer amanhã. Todavia o cenário para que a previsão do ministro se torne realidade supõe que a economia brasileira voe num céu de brigadeiro nos próximos meses.
O Brasil, depois do Plano Real, vive sob a proteção de santa Edwiges, a santa dos endividados. O imposto inflacionário acabou. O BC não está emitindo moeda para financiar o déficit público. Porém o déficit público aumentou em 1995 e continuou elevado em 1996.
Como o governo está pagando suas contas? Tomando dinheiro emprestado e aumentando seu endividamento. O governo gasta mais do que pode, e a economia segue no mesmo caminho, gastando mais do que produz. Quando um país gasta mais do que produz, ele toma dinheiro emprestado do exterior e aumenta sua dívida externa.
A estratégia de crescer a economia no curto prazo, aumentando as dívidas interna e externa, é factível? A resposta a esta pergunta é "sim", desde que exista alguém disposto a financiar essas dívidas. Todavia qualquer fato que leve os mercados financeiros a acreditarem que o ritmo de endividamento está acima da capacidade de pagamento do país pode obrigar o governo a mudar de estratégia.
Essa estratégia, além de ser bastante arriscada, transfere para o futuro os problemas do presente. Aliás, é bom lembrar que governos do regime militar usaram e abusaram da mesma estratégia. O resultado, nós o conhecemos, mas parece que as lições desse passado recente não foram aprendidas.
O discurso oficial se parece muito com o que era usado na época do "milagre" para justificar a política de crescer endividando-se: o Brasil administra muito bem seu endividamento e não há razões para maiores preocupações.
O preço que a sociedade pagou pelo erro de confiar em santa Edwiges foi uma década de estagnação econômica. Pelo fato de sermos um país religioso, não podemos transformar a política econômica em matéria de crença. Entretanto, nos próximos meses, só nos resta a alternativa de rezar para a santa e torcer pelo ministro Kandir.

Fernando de Holanda Barbosa, 51, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (RJ). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (governo Itamar Franco).

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