São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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Quilombos ainda resistem em São Paulo

JOÃO BATISTA NATALI
ENVIADO ESPECIAL A ELDORADO

São aldeias habitadas por negros de poucos sobrenomes. Há dois séculos ou mais, isolados, casam-se entre si. Talvez 21 comunidades, pelas contas do Estado, ou 38, pelas contas da igreja.
São os remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira, que deverão em breve tornar-se proprietários de suas terras.
A Constituição estipulou esse direito. A Procuradoria da República em São Paulo abriu no ano passado inquérito civil para a identificação e demarcação das glebas.
Por sua vez, o governo do Estado criou um grupo de trabalho que já propôs soluções para resolver o emaranhado jurídico (posses, propriedades, devolutas, reserva florestal) da região localizada a 270 km a sudoeste de São Paulo.
"Resolver tudo isso é o único meio para que a gente segure as crianças aqui", diz Benedito Alves da Silva, 42, o Ditão, um dos líderes de Ivaporunduva, quilombo de 62 famílias, parte das quais emigrou à procura de trabalho.
A alguns metros de uma igreja construída por seus ancestrais escravos, em 1791, Olavo Pedroso da Silva, 16, concorda: "Queria ficar aqui. É a terra da gente".
Ele e os demais descendentes de quilombolas dizem que só não dará certo se casas, igrejas e cemitérios acabarem submersos pela construção de barragens. Mas a Cesp (Companhia Energética de São Paulo) nega que tenha planos para inundar parcelas da região.
Aliás, foi contra as barragens e não pelo direito de ocupação permanente das terras que as comunidades negras do Vale do Ribeira decidiram se organizar.
"A organização desembocou na consciência negra, e só então se traduziu como quilombo uma herança cultural que todos dividiam desde tempos imemoriais", diz o padre João van der Heijden, 54, que participou, juntamente com outro padre e duas freiras, do parto das associações de moradores.
A associações aprenderam a fazer contas. "Somos em 266 pessoas; 108 moram aqui, 103 se espalharam pelos lados de Santos, e 55 moram em Eldorado (sede do município)", diz Elvira Morato, 50 após consultar um caderninho, no quilombo de São Pedro.
Tanto lá quanto em Ivaporunduva -são comunidades vizinhas, que reivindicam 6.197 hectares- o final feliz estaria em prosseguir com a agricultura.
Planta-se arroz, feijão, mandioca, milho ou banana, segundo divisão do trabalho baseada nos mutirões, por sua vez permitidos pelo parentesco e compadrismo.
As terras são individuais. Mas um ajuda na colheita do outro. A prática também vale para a construção de casas de pau-a-pique barreado.
Os descendentes de escravos só atravessam a porta do capitalismo ao trabalharem eventualmente como diaristas em fazendas da vizinhança (R$ 7,00 por dia) ou ao trocarem seus excedentes por produtos como sal, óleo e, de dois anos para cá, antenas parabólicas e TVs.

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