São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
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A timidez e o orgulho segundo Béjart

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1989, quando o Béjart Ballet Lausanne realizou sua última temporada no Brasil, o bailarino Gil Roman começava a se destacar.
No próximo dia 8, quando o grupo do coreógrafo francês Maurice Béjart estrear no Teatro Municipal de São Paulo, Roman marcará presença como o principal intérprete da companhia, que sempre exibiu bailarinos excepcionais.
Para Roman, 36, nascido em Als (França), não foi fácil sair da sombra de Jorge Donn, estrela absoluta de Béjart, que morreu em 1992.
"Convivemos na companhia durante dez anos e eu o admirava muito", lembra Roman. "Observava, imitava Jorge Donn, eu o adorava e por vezes o odiava."
Depois de enfrentar uma audição de 300 candidatos, Roman ingressou em 1979 no Ballet do Século 20, como então se chamava o grupo de Béjart. No começo, Roman ficou em segundo plano.
Mesmo Béjart parecia uma figura inacessível para Roman. A situação se manteve até 1989, quando Roman resolveu expressar sua frustração. Disse tudo o que sentia a Béjart, que, a partir de então, passou a tratar o bailarino como seu mais próximo colaborador.
Hoje diretor-adjunto do Béjart Ballet Lausanne, Roman participa de toda a produção da companhia, além de dançar papéis principais em balés como "Le Presbytre n'A Rien Perdu de son Charme, ni Le Jardin de son Éclat" (algo como "O Presbítero não Perdeu seu Encanto, nem o Jardim, seu Brilho"), novo espetáculo de Béjart, que será apresentado no Brasil.
Misto de orgulho e timidez segundo Béjart, Roman é admirado por sua musicalidade.
"Às vezes, fico impaciente, querendo que Roman execute imediatamente os passos que acabo de criar. Ele se recusa e se tranca duas horas no estúdio, antes de me mostrar o que ele acha que deve ser", comenta o coreógrafo.
A seguir, trechos da entrevista de Roman à Folha, por telefone, de Lausanne, cidade suíça onde o grupo está sediado.
*
Folha - Como você superou a timidez e se aproximou de Béjart?
Gil Roman - Levei muito tempo para me liberar. Sou uma pessoa introspectiva, que demora para estabelecer relação de confiança.
Não há uma explicação lógica para a empatia que mais tarde surgiu com Béjart. Hoje acho que foi tudo normal, mantínhamos um respeito à distância, mas, quando conseguimos estabelecer uma conexão profunda de trabalho, houve um verdadeiro reencontro.
Folha - Como contemporâneo, como é sua abordagem da técnica clássica, utilizada por Béjart?
Roman - A dança clássica é uma base necessária, é por meio de seu rigor e disciplina que nos desenvolvemos. No entanto, não é uma técnica fixa, pois se transforma de acordo com o espírito da época.
Compreender uma técnica a fundo significa compreender outras técnicas também. Descubro a dança moderna à medida que me aprofundo na dança clássica.
Folha - Como é sua atuação hoje no Béjart Ballet Lausanne, como bailarino e diretor-adjunto?
Roman - Além de dançar, trabalho próximo de Béjart, acompanho cada criação, ajudo a dirigir a companhia e fico muito satisfeito em transmitir tudo o que aprendi aos bailarinos mais jovens.
Participar do processo criativo de Béjart me ajuda a compreender melhor a dança, e isso para mim é muito importante, pois estou me preparando para ser coreógrafo.
Folha - Além de Béjart, há coreógrafos que você admira?
Roman - Gosto de Pina Bausch, mas a maioria me aborrece.
Folha - Você é considerado um bailarino-ator. Como você desenvolve seus personagens?
Roman - Não há fórmulas mágicas. Como cada trabalho é diferente, as interpretações podem se desenvolver a partir de três possibilidades que se combinam: coreografia, música ou personagem.
Fico fascinado ao aprofundar um papel no estúdio, onde, diferentemente do palco, tudo parece mais puro, frágil e verdadeiro.

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