São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
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Húngaro até parece 'língua de marciano'

ARTHUR NESTROVSKI
DO ENVIADO ESPECIAL À HUNGRIA

Parece caída de Marte: mas é a língua húngara, falada por dez milhões de habitantes e mais cerca de dois milhões de descendentes magiares no exterior. Há 200 anos, o filósofo alemão Herder profetizou o desaparecimento do húngaro; mas não há mostras de enfraquecimento dessa integrante insólita da família fino-úgrica, cujas primas distantes são o finlandês e o estoniano.
Não há preposições, nem declinações em húngaro; nem gênero gramatical, nem ordem definida das palavras na frase. É uma língua aglutinativa, com sufixos e prefixos servindo para indicar quase tudo que diz respeito ao substantivo e ao verbo. "Eu te amo": "szeretlek". Aglutinar significa que uma combinação de termos como, digamos, "para os mais incorruptíveis", vira uma palavra só: "legmegvessztegethetetlenebbeknek". Depois de umas doses de palinka, fica ainda mais difícil.
Na prática, os húngaros sabem que ninguém fala a língua deles e ficam satisfeitos com o menor esforço. Um simples bom dia, "jó napot" (iô nó-pôt), ou um muito obrigado, "kõszõnõm szepen" (quê-cênem sé-pén), já é o bastante para que o turista seja bem acolhido. "Edgy tejjeskavé, kérek" (Édj têi-éch/cá-vê, quê-rék): "um café com leite, por favor". A população é simpaticíssima e os jovens falam, cada vez mais, inglês. A geração acima de 60 anos tende a falar alemão. Numa emergência, grite: "szükséghelyzet!".
A Hungria sofre, sem dúvida, os efeitos do isolamento linguístico. Mas o resto do mundo paga um preço alto, também, por não falar húngaro, já que a tradição literária do país é uma das mais nobres da região. No Brasil, tivemos a sorte de contar com a presença, durante décadas, de Paulo Rónai, que traduziu, entre outros, "Os Meninos da Rua Paulo", de Ferenc (Fé-réntz) Mólnár e a "Antologia do Conto Húngaro" (reedição anunciada pela Edusp).
Mais recentemente, o poeta Nelson Ascher tem sido um grande embaixador no Brasil da literatura húngara. Graças a ele foram publicados dois grandes artistas da ironia, István Örkény e Dezsõ Kosztolányi (Editora 34); e uma edição ampliada de sua antologia da poesia húngara do século 20, "Canção Antes da Ceifa", está prometida para este ano. Suas lições de política e literatura centro-européia foram reunidas em 1996 no volume de ensaios "Pomos da Discórdia" (Ed. 34).
Budapeste é uma cidade de sapatarias ("cipõ") e livrarias ("kõnyvesbolt"), espalhadas por todos os cantos, mesmo depois da mudança de regime, que provocou uma diminuição brutal no mercado de livros. A editora Corvina publica autores húngaros em tradução para o inglês. Nas livrarias Bestsellers (Október 6 út, 11) e Atlantisz (Piarista kõz, 1) encontram-se livros importados de autores húngaros em outras línguas, escritores contemporâneos de importância mundial, como Gyõrgy Konrád e Péter Esterházy.
Os bibliófilos não vão resistir a uma visita aos sebos, na Múzeum kõrút, em frente ao Museu Nacional. Há dois jornais semanais publicados em inglês: o "Budapest Sun" e o "Budapest Week", com notícias locais e do mundo, e programação da cidade.
(AN)

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