São Paulo, terça-feira, 1 de abril de 1997
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O buraco do Bamerindus

CELSO PINTO

Os fundos de renda fixa do Bamerindus carregavam R$ 900 milhões em debêntures emitidas pelo próprio grupo e que viraram pó com a intervenção. Somando esse rombo a outros, o buraco patrimonial do Bamerindus pode chegar até a R$ 3 bilhões, segundo o presidente do Banco Central, Gustavo Loyola.
Esse seria o rombo se o Bamerindus fosse liquidado, e seus ativos, vendidos de imediato. Com a solução da intervenção, Loyola calcula que o rombo patrimonial poderá cair para menos de R$ 2 bilhões.
Não há dúvida, contudo, que o rombo existe, ou seja, que o banco estava quebrado no momento da intervenção, e não apenas com desequilíbrio de caixa. Por enquanto, não se constatou nenhuma fraude, mas pode ter havido irregularidade nos fundos de renda fixa.
Eles absorveram R$ 900 milhões em debêntures emitidas pela Bamerindus Participações, a "holding" do grupo. A lei permite que os fundos absorvam papéis do próprio grupo, até o limite de 10% do total, limite que pode ter sido ultrapassado.
Um dos problemas do grupo, aliás, era a interligação entre as várias empresas. A Inpacel, indústria de papel, estava sendo financiada com a garantia direta ou indireta do banco. Na medida em que sua situação se complicou, contaminou o banco.
A engenharia financeira montada pelo BC para o Bamerindus foi engenhosa. Se o BC tivesse usado o mesmo formato do caso Nacional, o tamanho do Proer poderia ter sido duas a três vezes maior do que os R$ 5,7 bilhões gastos. De fato, antes da intervenção, calculava-se que o Bamerindus exigiria até R$ 14 bilhões em Proer.
A diferença é a garantia dada pelo Proer. Nos casos do Nacional e Econômico, a garantia foi em "moeda podre" (FCVS), comprada com deságio no mercado e que tinha que chegar a 120% do valor nominal do empréstimo concedido. Com isso, o valor do Proer acabava ficando mais de duas vezes maior do que a necessidade efetiva de caixa. No caso do Bamerindus, a garantia foi outra.
O Hongkong and Shanghai Banking Corp. (HSBC) ficou com cerca de R$ 10 bilhões em ativos bons, assumindo o equivalente em passivos. Ele pagou R$ 960 milhões em dinheiro vivo, dos quais cerca de R$ 600 milhões foram para a capitalização do novo banco, e R$ 400 milhões pagaram o "good will", o valor da marca Bamerindus, e foram para o BC, para diminuir o buraco patrimonial.
O HSBC não tomou Proer, mas ficou com duas garantias. Se descobrir um passivo escondido no banco, como um passivo trabalhista, ele será coberto pelo BC até o limite de R$ 1 bilhão. O HSBC poderá também tomar um Proer a custo de mercado, sem limite, se considerar isso necessário para sua liquidez futura. Loyola acha que o HSBC não vai usar essa linha, porque seu custo é mais alto do que outras linhas que o banco inglês poderá encontrar no mercado.
O Proer acabou dividido em três fatias. A Caixa Econômica Federal (CEF) absorveu R$ 2,5 bilhões em ativos imobiliários do Bamerindus, realizáveis a longo prazo, financiados por um empréstimo do Proer de igual valor.
Foi um excelente negócio para a Caixa: recebeu um dinheiro imediato em seu caixa, a um custo equivalente a TR mais 8%, e mais um ativo de boa qualidade. O governo resolveu o problema principal da CEF, que é a falta de caixa, e ainda ficou com uma garantia para o Proer que dispensou o uso de moeda podre. O mesmo se aplica no caso do Banco do Brasil, que absorveu R$ 300 milhões em ativos do Bamerindus em troca de Proer.
O Fundo Garantidor de Depósitos (formado por dinheiro dos bancos privados), segundo Loyola, teria obrigação, em função da intervenção, de honrar depósitos do Bamerindus até R$ 20 mil. Como não tinha todo o dinheiro, tomou um Proer de R$ 2,5 bilhões, que foi direto para pagar o BC. Também nesse caso, a garantia existente dispensa o uso de moeda podre: à medida em que o FGD engorde, no futuro, repagará o Proer.
Só uma parcela entre R$ 300 milhões e R$ 400 milhões foi de Proer tradicional. A garantia acabou sendo de moedas podres (como da Siderbrás) que estavam na própria carteira do Bamerindus, portanto não tiveram que ser comprados no mercado. Esse dinheiro foi usado para cobrir parte da dívida do Bamerindus junto ao redesconto do BC (R$ 850 milhões).
O prejuízo final do governo com o Bamerindus vai depender do tamanho final do buraco patrimonial, depois de vendidos os ativos (como a Inpacel, que o BNDES vai vender) e da diferença entre os juros cobrados pelo Proer e o custo de o governo se financiar emitindo títulos. A fórmula encontrada para o Bamerindus, de todo modo, foi mais engenhosa do que a do Nacional.
O fim do Proer
Pode ter sido, contudo, o último grande Proer. Loyola quer acabar com o Proer no final do primeiro semestre. Em seu lugar, poderá ser usada uma fórmula parecida à que existe nos Estados Unidos: uma empresa, mantida pelos bancos privados, que absorve prejuízos no sistema até um certo limite.
O BC está discutindo há algum tempo esta idéia com o Banco Mundial. O Fundo Garantidor que já existe poderá, eventualmente, ser adaptado para esse papel. O princípio seria limitar a cobertura de risco. Ou seja, seria restabelecido o risco para depositantes e investidores de maior porte, algo que desapareceu depois que o BC, no caso do Nacional, sinalizou que bancaria qualquer aplicação em banco grande.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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