São Paulo, quinta-feira, 3 de abril de 1997 |
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A solidão dos astutos
MOACYR SCLIAR Do aeroporto, o corretor da Bolsa tomou um táxi e foi direto para casa. A esposa estava à sua espera, inquieta:- O que aconteceu? Por que você demorou? Ele tirou o paletó, sentou na poltrona, sorriu: - Demorei porque sou astuto. Ela o olhava, intrigada e desconfiada. Ele então explicou: - O avião em que eu vinha teve um pequeno problema. A companhia então ofereceu outro vôo. Todos os passageiros aceitaram, menos eu. Sabe por quê? A esposa, claro, não sabia. Ele pediu que ela lhe servisse um copo de uísque e continuou: - Porque sou astuto. Sigo aquela lei do mercado: vá em direção contrária à da massa. Se todos estão comprando, venda. Se todos estão vendendo, compre. Se todos estão optando por um avião, opte por outro. Foi o que eu disse para o Bill. Você sabe quem é o Bill, não sabe? Aquele meu colega corretor da Bolsa. Colega em termos, porque ele compete comigo; aliás eu também não gosto dele. Sabia que não aceitaria minha ponderação. Não deu outra: preferiu embarcar no avião que a companhia oferecia. Ele e todos os outros. Sorveu um gole da bebida: - Quando entrei no avião, um Boeing 747 de 400 lugares, constatei que estava sozinho. Eu era o único passageiro. Você sabe o que é isso? O único. Em todo aquele avião. Tudo estava à minha disposição. As 17 aeromoças estavam à minha disposição. Todas as refeições, todos os vinhos estavam à minha disposição. Todos os banheiros estavam à minha disposição. Ali dentro eu era o rei. Pediram que eu escolhesse um lugar; fui, claro, para a primeira classe. Sentei-me, e de imediato as 17 aeromoças -lindas, lindas- rodearam-me, oferecendo-me drinques e canapés. Nunca fui tão bem tratado, mulher. Mas... - Mas o quê? - A felicidade nunca é completa, não é mesmo? Foi o que descobri quando me virei. Queria olhar para o Bill, queria dizer a ele morra de inveja, você nunca será tão astuto como eu. E o Bill não estava lá. Não havia ninguém lá. Só eu. E qual a vantagem de ser astuto quando não se tem ninguém para derrotar? A mulher não disse nada. Aquele era um problema que ela não tinha. Por um simples motivo: nunca, mas nunca, viajava de avião. É que estava casada com um marido astuto. E os astutos viajam sozinhos. Texto Anterior: REPERCUSSÃO Próximo Texto: A economia da morte Índice |
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