São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 1997
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O verdadeiro filé

MOACYR SCLIAR

Tudo começou quando o cacique de uma tribo da Amazônia foi procurar o dono de um consórcio de telefonia celular pedindo que o sistema fosse instalado na região. O senhor vê, disse o índio num hesitante português, nós precisamos entrar na modernidade, na globalização, e estamos convencidos de que para isso, telefone celular é indispensável.
Com um mal disfarçado e irônico sorriso, o dono do consórcio explicou que telefonia celular não estava ao alcance de qualquer lugar.
- Nós precisamos ver quantas pessoas vão usar o sistema, e mais do que isso, qual é o poder aquisitivo dessa clientela. O senhor tem alguma idéia a respeito?
O cacique disse que a tribo era pobre, mas poderia pagar o serviço com colares, tacapes e até animais raros. Com o que o homem encerrou a conversa: volte quando vocês tiverem uma corretora, disse.
O cacique foi embora muito aborrecido. Mas aí lembrou-se de que seus antepassados também tinham um meio de comunicação que talvez valesse a pena ressuscitar.
Sinais de fumaça.
Coisa muito simples: uma fogueira com lenha verde (sempre abundante na mata), um pano, um código para as variações na coluna de fumaça. Fácil, muito fácil. E muito melhor do que o celular: o sistema dispensava telefone, dispensava bateria, era imune às panes.
De imediato reuniu as tribos da região. Um rápido treinamento foi feito e logo todos estavam se comunicando com sinais de fumaça. O êxito foi tamanho que deu manchete nos jornais.
O que atraiu a atenção de empresários da comunicação. Consórcios foram organizados para operar no ramo dos sinais de fumaça. Providenciou-se até equipamento especial: uma espécie de fumigador com gatilho, produzindo fumaça de acordo com o código previamente estabelecido.
O novo sistema, batizado com o nome de banda C (C de cacique: justa homenagem) foi objeto de concorrência. Houve grande estardalhaço a respeito e vários consórcios se apresentaram.
Naturalmente, nenhum interessado na Amazônia.

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