São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 1997
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Aussies tomam cerveja de trás para diante

DAVID DREW ZINGG
VOLTANDO DA AUSTRÁLIA

"Não dá pra vir de lá pra cá a pé."
Milhares de leitores curiosos provocaram um engarrafamento nos telefones da Folha, na tentativa de descobrir o significado do meu apelido aussie, "Dingo".
Esse curioso cognome australiano me foi dado depois de uma sessão de drinques especialmente prolongada num bar em estilo Velho Oeste, nas regiões inferiores do distrito The Rocks, em Sydney.
Os nativos daqui têm um senso de humor um tanto quanto deturpado. Recebi um convite impresso para comparecer a uma festa de despedida no bar. O convite dizia: "Billy's Bar -perfeito para despedidas, reuniões de escritório, aniversários, bar-mitzvás e funções natalinas".
O convite era ilustrado, com todo o bom gosto típico australiano, com uma reprodução colorida da Última Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo.
"Dingo" significa cachorro do mato em aussie, Joãozinho.
À luz fria da manhã seguinte, não parece muito apropriado, não? Sim?
Este é um país de mulheres cuja aparência chama a atenção.
Os estilistas australianos finalmente começaram a criar roupas que também chamam a atenção, para vestir suas mulheres de maneira que esteja à altura delas.
As Jennifers daqui possuem um glamour casual derivado da cultura praiana deste jovem país.
Uma brazuca cool poderia fazer uma viagem à região do Grande Recife Setentrional australiano para surfar, e, ao passar por Sydney, na volta, encher sua mala de roupas maravilhosas.
A moda australiana anda fazendo sucesso pelo mundo. Em Nova York, por exemplo, a linha Morrissey Edmiston de roupas sensuais e sexy é vendida em lojas chiques como a Henri Bendel.
A grife ME figura na lista dos mais quentes novos estilistas do mundo na revista "Harper's Bazaar".
Outros estilistas aussie também estão lançando seus tentáculos pelo mundo afora. As exportações para a França crescem ao ritmo de 10% ao ano, e, para Hong Kong, a mais do dobro disso.
A Austrália também é vencedora em outros campos, tais como cinema, música e vinhos. Então, por que não moda?
Todos nós sabemos que a Austrália anda produzindo os vinhos que provavelmente são os melhores do mundo em termos de razão qualidade/preço.
Os australianos tomam vinho como as pessoas normais tomam água.
E, como bons brasileiros, também tomam cerveja como as pessoas normais tomam água.
Existe aqui na Austrália um fabricante de cerveja que quer substituir o hábito de fazer vinhos acompanharem determinados pratos pelo novo hábito de fazer pratos determinados acompanharem determinadas cervejas.
"Os egípcios construíram as pirâmides à base de uma alimentação feita de cerveja, cebolas e pão", diz esse defensor da espumosa.
"Foi o fato de os gregos tomarem cerveja que lhes possibilitou vencerem os persas. Até mesmo Júlio César descreveu a cerveja como 'uma bebida majestosa e altiva'..."
Se é assim, poderíamos nos indagar por que uma nação profundamente cervejeira, como é o caso da Austrália, não é o centro de um império mundial pontilhado de pirâmides.
Quem chefia a cruzada pela substituição do vinho pela cerveja é um autor australiano, Chuck Hahn, ele próprio fabricante de cerveja.
Seu sonho é reconquistar as mesas de jantar do mundo, substituindo aquela garrafa de Merlot ou Chardonnay por uma "lager" espumante. "Um Chardonnay é bom", me disse Hahn, dando um sorriso largo, "mas uma cerveja é belíssima!"
Estávamos no meio de um dos "Jantares de Cerveja" que ele costuma promover em Sydney. Até mesmo os entusiasmados comensais aussie ficaram um pouco espantados diante do agito dos garçons que corriam para cá e para lá, tentando servir TRÊS cervejas com cada prato do jantar.
Não estou falando em três copos de cerveja, mas em três garrafas de cerveja para cada um dos presentes. E essa quantidade gigantesca acompanhava cada um dos quatro pratos que compunham o jantar.
Foi uma noite regiamente regada a cerveja.
As vendas de cerveja no atacado estão sendo prejudicadas, na Austrália, pela concorrência com os ótimos vinhos australianos.
Hahn chega a promover receitas de quitutes como o "beerburguer" (cervejobúrguer) e o BOLO DE CHOCOLATE E CERVEJA -acredite se quiser.
Uma palavra de aviso de "Dingo" Dave.
Essa cerveja toda pode lhe erguer ao estado de exaltação em que ficou o herói do "Épico de Gilgamesh". No ano 1280 a.C., "cerveja ele tomou... Seu espírito se liberou, ele se tornou hilário".
Para quem estiver pensando em fazer uma viagem à Austrália, lanço um pequeno aviso.
Na Austrália, os carros seguem o exemplo britânico: andam do lado errado da rua (ou, para alguém vindo da Bananalândia, do "outro" lado).
A Internet tem uma lista de FAQs -perguntas frequentemente feitas- para ajudar os visitantes a se adaptar às condições diferentes que reinam ali.
Uma das grandes preocupações manifestadas é se os CDs produzidos nos EUA vão funcionar corretamente no continente "down under" -situado no outro hemisfério e do outro lado do mundo.
Nos EUA, uma resposta publicada na Internet era: "Os CDs giram em sentido horário. Na Austrália, os CDs giram em sentido anti-horário. É legal, porque quando você ouve os CDs dos Beatles tocados de trás para diante, lá na Cangurulândia, você consegue ouvir aquele famoso efeito 'mascarado de trás para diante'. Com isso, pode escutar os famosos comentários 'Paul is dead' (Paul morreu) e sobre o uso de maconha. Alguns fãs dos Beatles pagam a viagem aérea até a Austrália só para ouvir essas gravações históricas, normalmente ocultas".
O relato na Internet continua: "Será que alguém já fez a experiência de tocar CDs na linha do Equador e no pólo Norte?"
"Consta que, no Equador, os CDs simplesmente param de tocar. Como será que ficariam num ambiente de gravidade reduzida, como por exemplo num elevador em queda livre?"

Tradução Clara Allain.

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