São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Al Pacino viaja em Shakespeare com "Ricardo 3º - O Ensaio"

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Peter Brook, conhecido diretor inglês de teatro (de "Mahabaratta", também tornado filme), bem que tenta avisar, lá pelo meio de "Ricardo 3º - O Ensaio". O artista não deve se deixar prender pelas palavras, mas buscar o sentido delas, deixar-se levar por elas, em Shakespeare.
Falava dos atores, da ação, mas bem que poderia valer para o filme de Al Pacino. É um grande filme, simples e profundo, com a reunião do documentário -com artistas, "scholars", mendigos falando sobre o autor- à peça, grandes trechos dela, em ensaio ou em encenação -em toda parte, nos "cloisters" de Nova York, num pequeno apartamento, no palco, ao ar livre.
Mas é também o retrato de uma enfermidade que atinge todos que se aproximem do "bardo": a obsessão pelo texto. A obsessão com cada palavra, seus significados acumulados, duplos, triplos sentidos, a sua melodia, a sua crueza. Termina inevitavelmente como ação detetivesca menor, da qual não se consegue mais escapar.
Peter Brook sugere deixar-se levar pelas palavras, não prender-se nelas, literária e reverencialmente. Al Pacino, que é diretor, ator e mais, no filme, acaba por fazer as duas coisas.
Tem consciência do mal que se apossa dele, mas entra e sai das cenas com leveza, alimentando-se da própria obsessão. Dizendo, por exemplo, em frase que é corrente no teatro, que são "opiniões", jamais verdades, o que cada um pensar sobre uma cena ou palavra. "Uma opinião é só uma opinião."
Ele tem opinião, outros têm outras, e a confusão que se instala sobre a caracterização da peça é o que permite chegar a uma verdade em cena. Outras encenações chegarão a outras verdades.
Entre as primeiras obras shakespearianas,"Ricardo 3º", como o próprio ator/diretor logo observa, é uma "peça difícil". Há melhores e mais acessíveis, no cânone shakespeariano. A trama, como quase sempre, aliás, no autor, é confusa, um acumular barroco de grandes cenas e maiores personagens.
Al Pacino tenta e não consegue descrever o enredo. Parte então para o pentâmetro iâmbico, o verso elisabetano, na métrica predominante na Inglaterra de Shakespeare. Explica simplesmente, repetindo o som para marcar, mas logo questiona o que fazer com o ritmo, como ele pode ser abordado por atores de hoje, e americanos.
Reúne um didatismo em que ele aprende e a montagem da peça se faz. Aos poucos entra nela, cenas curtas de início, depois ação plena.
Passa pela escolha do elenco, de Winona Ryder como Lady Anne, uma atriz jovem, hollywoodiana, como ele quer, ainda que precisasse de amadurecimento para enfrentar o texto shakespeariano, o que ele sabe e diz. Pacino encontra atriz e interpretação junto com o personagem dela.
Como Kenneth Branagh, ator/diretor que ele também entrevista, deseja um Shakespeare popular, sem temor do populista. Vai a Stratford-Upon-Avon, à casa onde Shakespeare nasceu, hoje reduto de turismo. Vai ao "novo" Globo, que reproduz, para turistas, o teatro onde Shakespeare mais representou (também era ator) e mais teve as suas peças encenadas, em vida, em Londres.
Detém-se longamente nos versos mais conhecidos de "Ricardo 3º", como "um cavalo, um cavalo, meu reino por um cavalo".
Assim vai atingindo a peça, que toma todo o filme, ao final. Apresenta a peça, em atuação, se não grandiosa, com o aprofundamento e a "verdade" que a qualidade de seu personagem e todo o texto merece. (A bem da "verdade", registre-se que ele questiona, humildemente de sua parte, mas de modo claro aos que pretendem julgar, a própria idéia de qualidade).
A jornada, o "ensaio", revela-se antes existencial do que artística, ao começar e encerrar com uma citação de "A Tempestade", também de Shakespeare -não explicitada como tal, mas um verso conhecido, dos que ecoam interminavelmente depois de ouvidos.

Filme: Ricardo 3º - O Ensaio
Produção: EUA, 1996
Direção: Al Pacino
Com: Al Pacino, Winona Ryder, Kenneth Branagh
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 1, Olido 3 e circuito

Texto Anterior: Mulher de Campion não é lady de James
Próximo Texto: Elenco de "...Wanda" volta a divertir
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.