São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 1997
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Só come goiaba boa quem mora perto do pé

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tenho o mau costume de culpar as freiras por todos os meus pecados. Desconfio que foram elas a me ensinar a gostar mais de couves e repolhos do que de rosas e violetas. As flores não têm serventia prática, só o deslumbre da beleza e do prazer de se mostrarem.
Quando a madre superiora queria homenagear a Virgem, era o caos para as alunas. Pedia que levássemos botões de rosa-chá, belíssimos, beges, caros e raros, únicos que não pecavam por escândalo, como os vermelhos.
Reparem que freiras gostam de plantas, são tão caprichosinhas com suas toalhas bordadas sobre altares e pilastras, mas se especializam em avencas, samambaias e violetas.
Vinha pensando nesses transcendentes assuntos na volta do Ceasa, à toa, pois que já quase não existem freiras nem rosas-chá, e só restou essa minha doença de achar as gardênias decadentes e excessivas por não poder fazer com elas uma omelete.
E foi então que o motorista da Kombi me chamou a atenção para as goiabeiras do percurso, que nascem, soltas, sem precisarem de mudas, transplantes, enxertos, podas, nascem pelos cantos das ruas, debaixo de postes, encostadas nas marginais, absolutamente indesejadas, se infiltrando por gretas crestadas, nos lugares mais secos, de cimento arrebentado...
Como adubo, ripas de madeira de caixotes, baganas de cigarros, papeizinhos sujos agarrados a pedrisco cinzento, latas de cocas amassadas e caixinhas vazias de Tagamed.
E a goiabeira vai nascendo ali, se fazendo em goiabas, naquela cozinha imunda, árida, engendrando a flor com a obstinação de quem não tem nada a perder. Serenas, impávidas, sombreando na hora em que os telhados e as pontes pegam fogo, arrancando a seiva lá do fundo, onde só o capeta acha ouro.
Na sua estrutura é uma árvore criada para criança subir. O tronco liso e tortuoso, esgalhado, abrindo espaços, de um marrom muito claro. É só passar a unha e o verde claríssimo aparece, contrastando com as formigas passeadeiras.
As flores das goiabas nascem nos sovacos dos ramos novos, ou melhor, nas axilas, e são brancas, perfumadas. A goiabinha se forma em verde escuro, vai clareando até ficar "de vez" com um gosto adstringente que é a hora da verdade da goiaba. Dali descamba para o fruto marchetado de pintas duras e pretas como pregos, ou são bicadas por passarinhos, ou se esborracham no chão com um cheiro forte e almiscarado, exagerado, penetrante, ruim para sermos mais precisos.
Ou são vendidas na Fauchon por preço exorbitante, como exóticas, com aquele mesmo cheiro de enjôo. Eles não sabem que para comer uma goiaba boa há que se morar perto do pé.
Cozidas à Pedro Nava (têm a polpa quente e corada como o dentro dos beiços, o embaixo da língua e o fundo das bochechas). Em compota são como "orelhas em calda".
Talvez tivessem razão as freiras. Quanta barriga cheia de goiaba branca e vermelha, crua ou cozida, com bicho ou sem bicho, e as hortênsias só vibrando em cores nos jardins.
Goiaba agridoce
Há umas variações de como comer a goiaba mundo afora. Em Java comem as folhas no arroz.
Na Índia os vendedores ambulantes tentam os passantes com a goiaba cortada ao meio e espremem limão por cima. E no México fazem a compota, de metades, deixam a calda escorrer, recheiam com cocada e servem sobre um pouquinho de calda. Deve ser bom. Dooooce...
Esta receita indiana de geléia de goiaba agridoce, a "masala amrood murabba", dá cerca de duas xícaras.
Ingredientes: 600 g de goiabas maduras (mas não moles); 2 a 3 pimentas malaguetas vermelhas; 3 a 4 cravos; 1 colher de chá de sementes de coentro; 1/2 colher de chá de sementes de cominho; pau de canela de 3 cm; 1/2 colher de chá de sementes de cardamomo; 2 xícaras de açúcar e 1/2 colher de caldo de limão.
Corte as goiabas em oito partes e ponha para cozinhar sobre vapor durante 45 minutos.
Enquanto isso, misture as pimentas, o cravo, o coentro, o cominho, a canela e o cardamomo e leve a uma frigideira em fogo baixo para torrar até que o cominho comece a escurecer um pouco. Passe pelo processador ou bata em almofariz.
Bata as goiabas no processador e coloque em panela com açúcar, mexendo até que ele derreta, em fogo baixo.
Aumente o fogo, junte o caldo de limão e deixe engrossar.
Tire da panela, junte os temperos e deixe esfriar. Guarde em vasos hermeticamente fechados.

E-mail ninahort@sanet.com.br

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