São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 1997
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A crise do indigenismo

MARCOS TERENA

A instituição indigenista oficial, Fundação Nacional do Índio, vive um dos momentos mais críticos de sua existência, que vai da falta total de recursos para atendimento às aldeias ao desgaste e descrédito político dentro do próprio governo e junto aos índios.
Tudo isso se deve à falta de um projeto condizente, à incompetência gerencial e ao descompromisso com a causa nos últimos anos.
Uma situação que desaba diretamente sobre aldeias em que o último ponto de apoio -os "postos indígenas", ocupados por jovens indígenas e por últimos idealistas, os velhos indigenistas- corre o risco de desaparecer.
Ultimamente tem surgido uma consciência indígena crítica avaliando essa crise. Para muitos, uma surpresa, já que, desde Cabral, o relacionamento entre índios e brancos, sempre pautado por mentiras e preconceitos, ocasionou erros históricos, diante da necessidade de converter os chamados "selvagens" em civilizados e cristãos. Um erro que reduziu 3 milhões de pessoas em apenas 300 mil.
No início do século, atendendo as observações e recomendações de um general, Cândido Rondon, o governo brasileiro assumiu publicamente, pela criação de um departamento federal específico, o compromisso de dar proteção aos verdadeiros donos da terra diante dos aspectos nocivos da colonização, como a matança cultural, física e territorial.
Ao assumir essa responsabilidade de contato com tribos isoladas, atendimento à saúde, educação e desenvolvimento, surgiram abnegados civis, militares, intelectuais, religiosos e cientistas, que deram origem ao indigenismo.
Com uma consciência de final de século, os índios romperam a cerca do isolamento em que viviam para buscar novos mecanismos de defesa que não os excluíssem do processo, como a globalização que os cerca.
Com isso, o tratamento de piedade ou o relacionamento pontuado por crises já não são aceitos. É o espírito de sobrevivência que se reacende nos povos indígenas, como a luta pela demarcação das terras e o direito de enxergar com os próprios olhos.
É preciso capacitar o índio, dizem alguns. É verdade. Mas é necessário também capacitar os dirigentes da entidade indigenista oficial... pois já é possível notar claramente a falta de um projeto condizente com a realidade indígena.
Como admitir índios morrendo de tuberculose enquanto uma visão estreita e irresponsável de burocratas propõe acabar com as ações sociais do governo nas aldeias, muitas de recente contato, que mal falam a língua ocidental? Como aceitar a demora na demarcação das terras ou a iminente pobreza e fome de povos outrora ricos e fortes?
Em todos esses aspectos, não se pode desconsiderar o dinamismo das sociedades indígenas, inclusive no direito ao pensamento diferenciado, em que mesmo aquele índio de jeans ou gravata, que aprendeu a ler e a escrever, será considerado, pois nunca deixará de ser índio e jamais será o "índio virtual", como afirmou com ironia um dirigente máximo da Funai.
Fernando Henrique Cardoso poderá contribuir substancialmente, com sua formação acadêmica e sensibilidade, para corrigir o curso desse relacionamento entre índios e brancos. Basta procurar ouvir aqueles índios preparados e com credibilidade para traduzir as ansiedades de seu povo e, ao mesmo tempo, as carências e fraquezas do governo. Um universo de origens e costumes diferenciados, com os quais governo algum soube trabalhar.
É o desafio de praticar um indigenismo moderno, de que tanto carecem o governo e o país, reerguendo o índio, de sua condição de vítima e carente a sócio e responsável por um empreendimento econômico e social para as sociedades indígenas, de médio e longo prazo, o "etnodesenvolvimento".
Nós, os índios, sabemos que haverá erros e acertos, é natural, mas certamente procuraremos não errar como fizeram conosco, tão profundamente e por tanto tempo. Por que, então, não começar com um novo interlocutor na Funai, que considere esses aspectos e trate o índio de igual para igual?
O índio só exige uma coisa: respeito! Tratamento sem meias-verdades. Basta dizer "sim, sim, não, não". Assim, acreditamos, teremos uma política indigenista séria e o início de um Brasil ético e étnico!

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