São Paulo, sábado, 12 de abril de 1997
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Necessidade de transformação

LUIZA C. FONSECA FRISCHEISEN

Nas duas últimas semanas, nossas casas foram invadidas por imagens que mostravam PMs em São Paulo e no Rio de Janeiro extorquindo, torturando e matando moradores dessas comunidades, causando indignação geral e vários manifestos de repúdio.
Como membro do Ministério Público Federal, tenho acompanhado diversas reclamações de entidades nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos e de parentes e vítimas relacionadas a arbitrariedades policiais praticadas em nosso Estado.
Em todos os casos são instaurados procedimentos disciplinares e IPMs, mas a maior parte deles são arquivados por "falta de provas", e as denúncias, quando oferecidas, na maioria absoluta resultam em absolvições.
E a razão é: os crimes praticados por PMs são, em regra geral, apurados pela própria corporação e julgados pela Justiça Militar Estadual, na qual, dos cinco juízes, quatro são integrantes da PM, e somente um é juiz de carreira.
Os crimes tipificados como dolosos contra a vida (quando a intenção de causar morte ou lesão estiver comprovada) poderão ser julgados pela Justiça comum (lei nº 9.299/96), mas as investigações serão conduzidas pela PM, como recentemente entendeu o STF.
Contudo o projeto original do deputado federal Hélio Bicudo (PT-SP) previa que todos os crimes praticados por PMs contra civis deveriam ser julgados pela Justiça comum, projeto que não subsistiu no Senado em sua concepção original, mas que retornou à ordem do dia. O mesmo ocorreu com o projeto que tipificava o crime de tortura, que, após dormitar no Congresso, transformou-se rapidamente na lei 9.455, publicada em 8/4.
Tais mudanças legislativas são apoiadas pelo Ministério Público Federal.
Mas a pergunta no ar é: será que mudanças legislativas são suficientes? Creio que a resposta é negativa. O que é necessário discutir antes de tudo é: deve haver Polícia Militar?
Poderá uma polícia militarizada cumprir sua função de prevenir crimes em consonância com o respeito aos direitos constitucionais dos cidadãos? Poderá uma corporação que é força auxiliar e de reserva do Exército (artigo 144, parágrafo 6º, da Constituição Federal) realizar o policiamento comunitário, que todos acreditam ser a única forma de integrar sociedade e polícia?
Por fim, basta lembrar a origem da PM no Estado de São Paulo, a chamada Força Pública, que em diversos episódios comportou-se como verdadeiro exército estadual -seja no levante tenentista de 1924, seja em 1932, seja na participação ativa na repressão, na ditadura militar, período ainda tão recente-, para que pareça certo que precisamos discutir se é possível modificar a estrutura da PM e a formação de seus integrantes ou se na realidade precisamos de uma polícia desmilitarizada como única forma de evitar novas cenas de violência, com respeito aos direitos humanos e ao princípio básico da nossa República, a dignidade da pessoa.

Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, 30, é procuradora da República e integrante do Ministério Público Federal, no exercício das funções de Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo.

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