São Paulo, sábado, 12 de abril de 1997
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Questão central?

RICARDO BALESTRERI

Meus primeiros contatos com a PM ocorreram na década de 70. A relação começou errada, mediada por chutes, cassetetes e bombas de gás. Como todo bom militante, eu trazia na ponta da língua as soluções não só para os problemas do Brasil, mas especialmente para aqueles causados pela polícia.
Quis o destino, uma década depois, que eu me encontrasse novamente entre esses senhores fardados, ministrando classes e coordenando programas de educação para a cidadania. Quem diria: direitos humanos nas academias de polícia! Houve incompreensão de todas as partes, mas valeu a pena.
Após oito anos de transparente convivência, falando-lhes com franqueza das práticas infames da truculência antagonizadas à dignidade policial cidadã, escutando-os, conhecendo, enfim, as "coisas de polícia", devo admitir que já não fluem tão maniqueístas as velhas certezas.
Sempre me parecera fácil visualizar uma drástica redução da violência, a partir, por exemplo, da desmilitarização das PMs. No entanto, fosse essa uma verdade simples, não haveria violações no âmbito da Polícia Civil.
Talvez a única diferença resida no fato de que essa última, quando se desvia, viola intramuros, onde em geral não se encontram cinegrafistas amadores...
Uma reflexão mais complexa é necessária quando se trata de analisar as causas do banditismo oficial ou oficioso. Ele se enraíza mais fundo, na cultura de violência nacional, que quer na polícia um braço legalmente armado.
Seria avanço real o aniquilamento das hierarquias, ou a reorganização nominal, omitindo o termo "militar", ou até o fechamento definitivo? Modificar-se-ia qualquer coisa significativa?
Há, é claro, abordagens mais fáceis: desvinculação do Exército? Faça-se já! As polícias são organizações de proteção aos cidadãos, enquanto as Forças Armadas tratam de defesa e/ou agressão contra virtuais inimigos.
Tribunais militares? Excrescências da ditadura, oportunidades de carreira para privilegiados (evidência que, em geral, não se denuncia).
Seria a Justiça comum mais competente? É de duvidar. Menos suspeitos de corporativismo, no entanto, sem dúvida alguma. Lamentável a mutilação do excelente projeto de lei do deputado Hélio Bicudo, culpa que o Senado e o Executivo (omisso na mobilização para aprová-lo) terão que carregar.
Como utopia (a médio ou longo prazo) não me parece inapropriada uma polícia única, com um setor fardado ostensivo.
A panacéia da desmilitarização, contudo, é pífia. Solução de fato passa pela urgente federalização dos crimes contra direitos humanos, pela democratização e modernização do sistema judiciário, pela instituição de programas de polícia, magistratura e defensoria pública comunitárias/interativas, pela revisão do currículo e metodologias das academias de oficiais e escolas de formação de praças e, finalmente, por uma boa lei orgânica nacional de polícia, que possa safar-nos da subjetividade e da boa vontade dos governos.

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