São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A paixão pela mágica

ELIO GASPARI

O Palácio do Planalto deve um pedido de desculpas aos senadores do PSDB em quem passou um pito humilhante porque se rebelaram contra a indecência do teto especial de R$ 21.600 para os funcionários públicos que acumulam cargos eletivos.
Na terça feira da semana passada, diante da rebeldia, o porta-voz do presidente Fernando Henrique Cardoso saiu-se com a seguinte:
- Seria importante que esses senadores tucanos encontrassem uma fórmula pela qual seja possível aprovar a reforma, sem levar em conta os segmentos que não a votariam sem esse entendimento. Seria importante também que os senadores tucanos acelerassem a votação da reforma da Previdência, porque esta questão está nas mãos deles.
É pelo menos discutível que esteja entre as funções de um porta-voz a capacidade de repreender senadores da maioria governista. Mais discutível ainda que um porta-voz possa repreender senadores dizendo-lhes o que devem ou não devem fazer. No caso, nem isso está em questão. A maracutaia foi posta a pique pela reação da opinião pública e hoje vaga por Brasília como indecência esquecida, sem pai nem mãe. Foi desautorizada pelo próprio presidente, que participara de sua concepção e do esforço para levá-la adiante.
Repudiado pela opinião pública, o extrateto levou FFHH a um espetacular e elegante recuo. Não colou, paciência. Mesmo assim, ficou esquecido o fato de que os senadores rebelados estavam certos e o Planalto, redondamente enganado.
Foi levado a um recuo semelhante no tratamento da questão dos sem-terra. Até bem pouco tempo, a estratégia de seu governo era de "pisar no balão de oxigênio do MST". Pretendia-se fazer isso separando-o do PT e da igreja, mas a metáfora partia de uma premissa falsa: nem o MST estava moribundo, nem precisava do oxigênio do tubo para respirar. Um passo em falso, um bispo ofendido e d. Lucas Moreira Neves chutou o pau da barraca, colocando-se ao lado do seu irmão que defendia os sem-terra. (Há mais de 25 anos, apostar no conservadorismo de d. Lucas é um dos piores negócios da feira nacional. Ele é conservador, mas tem sua própria agenda.)
Para o bem de todos e felicidade geral da Nação, FFHH é ruim de truculência. Há políticos que correm atrás do próprio passe, tumultuando o funcionamento do time. Paulo Maluf é típico dessa espécie. O professor Cardoso, como o grande Didi, joga parado. (É do craque a frase "quem tem que correr é a bola".) Acrescenta a essa característica do "Príncipe Etíope" um reflexo de goleiro. A menor fração de tempo do universo é aquela que vai do momento em que uma coisa dá errado ao instante em que ele olha para o zagueiro, culpando-o pelo gol. Exemplo disso está na sua convicção de que a sobrevalorização do câmbio foi coisa do ministro Ciro Gomes. Ciro Gomes tem tanto a ver com o Real sobrevalorizado quanto os vendedores de fichas telefônicas.
Tanto no caso dos senadores tucanos quanto no do tubo de oxigênio do MST, FFHH está padecendo de uma adoração compulsiva pelos expedientes, verdadeira paixão pela mágica.
O extrateto era uma monstruosidade conveniente. Uma espécie de resgate que o governo aceitava pagar a uma bancada de parlamentares aproveitadores, denominados "segmentos" pelo Planalto.
O isolamento do MST era coisa mais complexa. Destinava-se a fabricar a ilusão de que, enfraquecido o movimento, acabaria a questão fundiária. Seria apenas uma bandeira de conveniência para uma esquerda perplexa. Houve uma época em que a esquerda (inclusive o professor Cardoso) falava em reforma agrária e anistia. Por que não falam mais em anistia? Porque ela foi feita, e o professor recebe mensalmente o pedaço que lhe coube daquele latifúndio. Por que há gente disposta a viver acampada e a marchar sobre Brasília? Porque não há terra para quem a quer trabalhar.

Texto Anterior: Jovens compõem o 'grosso' da marcha
Próximo Texto: CSN consegue atrair 6 fundos de pensão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.