São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 1997
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Em pouco tempo

JANIO DE FREITAS

Com tanta falação de reforma pra lá, reforma pra cá, acaba-se sem perceber o que de fato muda. É a impressão de quem triste retorna, aliviado por algumas semanas de ausência, e reencontra com perguntas os que ficaram por vontade ininteligível ou por obrigação inescapável.
Em passado ainda não esquecido, retorno assim provocava uma só combinação de pergunta e resposta: "E a inflação? Dobrou." O demais, fosse a natureza dos fatos ou os fazeres das figuras de sempre, dispensava indagações, tão inexpressiva era a margem de variação. Desde uns dois a três anos, não se pergunta mais pela inflação. Mas não se encerra aí a inversão atual: de repente, ganham sentido as perguntas antes dispensáveis, sobre a natureza dos fatos e a posição das personagens. Os indícios imediatos sugerem um quadro bastante alterado em apenas mês e meio -mas os meios de comunicação e os políticos, atentos aos fatos, não parecem sê-lo também para o conjunto, para o quadro alterado.
Talvez seja assim porque as alterações nada têm de definitivas, nem ao menos permitem antever se tendem ao aprofundamento ou ao recuo. Importam, porém, não apenas como fatos com repercussão política e eventualmente econômica, mas sobretudo por seu encadeamento ininterrupto, formando um acúmulo pouco comum em qualquer tempo.
As acusações de falta de escrúpulos e de corrupção, feitas pela congregação dos bispos brasileiros ao governo, não é uma jogada de deputados vorazes. É uma tomada de posição muito forte, de um gênero que não se vira ainda por parte da CNBB. Como pessoas, bispos às vezes se mostram mais extremados, mas como corpo representativo a CNBB jamais se precipita em ações emocionais, até pela necessidade de proteger o que ainda é comum a todos na congregação.
Juristas importantes sentem-se compelidos a reavivar o recurso a manifestos à nação, para três páginas de denúncia do governo por introduzir "um processo de ruptura do modelo constitucional democrático", acusando ainda Fernando Henrique Cardoso de agir "em proveito próprio" ao "quebrar a tradição republicana brasileira" com as manobras pela emenda da reeleição. Palavras muito fortes e que não representam só os signatários imediatos, mas tudo e todos os representáveis pelo Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.
Fato não ocorrido desde a década de 60, quando se deram os últimos gestos altivos da alta magistratura em relação ao Executivo, então invadido e ocupado pelos militares, ministros do Supremo Tribunal Federal e, nesta semana, o seu presidente, Sepúlveda Pertence, repelem que o governo pretenda, "a cada semana, ajustar a Constituição à conveniência dessa ou daquela política pública em execução". Não é preciso ler nas entrelinhas para perceber a denúncia implícita na afirmação, feita por Pertence, de que o Poder Judiciário abandonou a passividade e assume a tarefa de defender o Estado de direito ameaçado pelo que chamou de "ditadura da maioria", ou seja, dos que impõe suas conveniências por força do seu número.
Há mês e meio, o ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann, negava qualquer possibilidade de simples conversa com alguém do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, ao qual negava o seu reconhecimento pessoal e, como ministro, o do governo. A Presidência considerava que a marcha a Brasília não atingiria seu objetivo, porque Fernando Henrique não receberia a comissão dos sem-terra. O senador Antonio Carlos Magalhães avisava que não permitiria a manifestação dos sem-terra em frente ao Congresso. Todas essas atitudes estão substituídas pelo seu oposto. E ignorar-se o significado de tamanho recuo, no qual resta apenas recuar sem expor a humilhação, é deixar fora da vista um embate que envolve mais do que as partes evidentes: alcança toda a ideologia em moda e suas representações e fins entre nós.
A reforma administrativa, parece que ninguém deu importância a isso, recebeu a primeira aprovação na Câmara com apenas um votinho além do indispensável. E estava de pé o acordo formulado no Planalto, sob orientação do próprio Fernando Henrique, para permitir aos ocupantes de cargos eleitorais, além de ministros e assessores especiais, o teto de R$ 21,8 mil mensais. O recuo de Fernando Henrique, tentando aparentar descompromisso com o teto de sua co-autoria, também não é fato a menosprezar, não. O tamanho da onda geral assustou.
Sem falar no risco de que o governo, de repente, se veja envolvido diretamente na historiada dos precatórios, o que não seria difícil se as investigações fossem mais francas, em um mês e meio houve ainda outros fatos e efeitos indicativos de que nem toda a proteção oferecida a Fernando Henrique e ao governo, pelos meios de comunicação e pela maioria política, foi capaz de evitar um conjunto de fatos que refletem, embora de modo ainda não mensurável, extensa mudança em relação ao governo e ao próprio Fernando Henrique.
Tal mudança não é feita de impulsos que possam ser revertidos por publicidade e manobras de marketing. Mas até onde vai ou até onde volta, há que ver - embora a aparente pouca vontade de ver.

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