São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 1997
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"Brasil tem a ganhar com a globalização"

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DE NOVA YORK

Consultor Richard Holbrooke, que vem ao Brasil em maio, aponta os prós e os contras do processo em curso

"Brasil tem a ganhar com a globalização"
O consultor e diplomata norte-americano Richard Holbrooke, 55, acredita que o Brasil será um dos países que mais têm a ganhar com o processo de globalização.
"Há pelo menos um século o Brasil é o país do futuro. Chegou a hora de virar o país do presente", afirmou em entrevista à Folha.
Preparando-se para viajar ao Brasil e participar de um seminário sobre globalização, que será realizado em 20 de maio, em São Paulo, Holbrooke analisou os efeitos do processo, alertou os brasileiros para as dificuldades intrínsecas a ele e abordou o papel governamental na nova fase.
Vice-presidente do Conselho de Administração do Credit Suisse First Boston Corporation, banco com sede em Nova York, Holbrooke é responsável pelos investimentos da entidade na Europa e na Ásia.
Tendo atuado no Departamento de Estado nos governos de Jimmy Carter, entre 1977 e 1981, e Bill Clinton, entre 1994 e 1996, foi o chefe na negociação do acordo de paz para a Bósnia, em 1995.
Com grande interesse pela cultura asiática, o diplomata tornou-se, em 1966, um dos membros do staff da Casa Branca para assuntos ligados ao Vietnã na administração do presidente Johnson.
Ex-embaixador dos Estados Unidos na Alemanha, entre 1993 e 1994, Holbrooke diz que só esteve no Brasil quando criança. "Já faz tempo. Será uma grande emoção retornar ao país e ver de perto como as coisas estão se passando na América do Sul."
Leia, a seguir, a entrevista de Richard Holbrooke.
*
Folha - O senhor participará no Brasil de um seminário sobre globalização. Como o fenômeno está afetando a economia mundial no final dos anos 90?
Richard Holbrooke - Sem dúvida, hoje não se pode discutir economia deixando de lado o processo da globalização. Ele está aí e, cada vez mais, deverá criar novas oportunidades e novos problemas, principalmente para os países emergentes.
Folha - O senhor fala em oportunidades e problemas. Num mercado cada vez mais competitivo, as oportunidades não ficarão em poder dos países mais ricos e os problemas com os mais pobres?
Holbrooke - Essa é uma visão simplista de ver a globalização. Não só simplista, mas maniqueísta, eu diria.
Os países emergentes, como o Brasil, são os que mais têm a ganhar com o processo. Há alguns anos, nós sempre escutávamos falar em países do Terceiro Mundo. Com a globalização, diversos países do Terceiro Mundo podem perder essa condição.
Há pelo menos um século escutamos a história de que o Brasil é o país do futuro. Chegou a hora de ser o país do presente. E a globalização, acredito, poderá levá-lo a uma nova condição no contexto mundial.
Folha - Por quê?
Holbrooke - Porque o Brasil tem um enorme mercado consumidor, atravessa uma situação econômica privilegiada em relação a alguns anos atrás, conseguiu uma estabilidade econômica, controlou a inflação, ajudado também pela entrada de produtos mais baratos do exterior...
A classe empresarial brasileira amadurecerá com o processo. Com a abertura econômica cada vez maior, não poderá ficar pedindo proteção alfandegária para tornar seus produtos competitivos.
Deverá torná-los competitivos aperfeiçoando o processo de produção, o de distribuição, enfim, abrirá mão de recursos artificiais, digamos assim, para conseguir uma reforma estrutural de que todo país com pretensões de ser grande precisa.
Folha - E a situação social do país? A pobreza, os sem-terra... Do ponto de vista social, a globalização pode trazer vantagens?
Holbrooke - Tudo é questão de como se dá o processo em cada país, de como ele se insere na economia mundial, de como administra sua produtividade. É um jogo de xadrez.
Quando as pessoas falam em globalização, elas não podem se iludir. Da mesma forma que acho que o Brasil poderá ser beneficiado pelo processo, não sei se poderia dizer o mesmo do Paraguai, por exemplo.
Alguns países do Terceiro Mundo estão à margem do processo, o que é ruim. O Brasil não. É um país forte em alguns setores econômicos, que podem se tornar ainda mais dinâmicos e competitivos na briga por espaço na economia mundial. Eu acredito no Brasil.
Folha - Como o senhor analisa que deva ser o papel do governo no processo de globalização?
Holbrooke - O governo deve ser mais participativo, deve estar mais ligado às classes produtivas.
Quando digo ligado, refiro-me a uma conexão adulta, não protecionista, de pai para filho.
Uma conexão em que o governo deve planejar o destino da nação, sinalizando para a classe empresarial o que pode e deve ser feito para que ela se torne cada vez mais competitiva em relação às dos outros países.
Com a globalização, não há lugar para incompetência. Nem dos empresários, nem do governo. Em outras palavras, o que quero dizer é que as cobranças recíprocas serão aumentadas.
Folha - No início da entrevista, o senhor disse que a globalização traz novas oportunidades, mas também novos problemas. Quais?
Holbrooke - São três os principais problemas.
O primeiro, o desemprego. Muitas pessoas acabam ficando fora do mercado de trabalho. É um dos grandes fenômenos e dilemas da humanidade no final do milênio.
Com a industrialização, parte da mão-de-obra, especialmente a não-qualificada, perde espaço.
O segundo, o desenvolvimento descontrolado. Um país pode se desenvolver muito rapidamente hoje em dia, mais do que antes.
O típico exemplo é a China, um dos grandes mercados emergentes. A China teve um crescimento extraordinário, mas enfrenta problemas muito sérios, decorrentes do seu próprio crescimento.
A erosão de solo e a poluição ambiental, por exemplo, são assuntos para os chineses resolverem. Antes do crescimento, era algo que não preocupava. Agora, tornou-se um problema sério.
Folha - O que a China deveria fazer para enfrentar a situação?
Holbrooke - Gastar bilhões e bilhões de dólares. Foi o que os Estados Unidos fizeram nas primeiras décadas do século.
O Brasil deverá se preocupar com estas questões, porque sei que são coisas, o desemprego e o desenvolvimento descontrolado, que já afetam o país.
Folha - O senhor falava em três problemas principais advindos da globalização. Qual o terceiro?
Holbrooke - O terceiro tem relação com os outros dois, já que ajuda a agravá-los. Trata-se da urbanização.
O Brasil já foi um país eminentemente rural. Com a industrialização, passou a ser urbano. Com a globalização, existe uma tendência de as pessoas deixarem ainda mais os campos, como chegou a acontecer na China, e migrar para as grandes cidades.
Quanto mais gente nas grandes cidades, maiores os problemas de desemprego, lixo urbano, poluição, trânsito descontrolado...
As condições de vida nas grandes metrópoles já não são fáceis. O êxodo descontrolado não é um bom sinal. Só causará mais dor de cabeça.
Folha - O que o senhor acha dos blocos econômicos?
Holbrooke - Sou totalmente a favor. Aprovo o Nafta, o Mercosul... Mas gosto sempre de frisar um ponto. Eles não devem ser rivais entre si. Devem funcionar como um time. São parte de um projeto maior.
Folha - No caso do Nafta ou do Mercosul, o projeto maior seria a Alca?
Holbrooke - A Alca é um projeto maior, mais ambicioso. Acho que será ótimo para o continente americano.
Folha - Mas os governos do Brasil e dos Estados Unidos divergem sobre a Alca. O brasileiro espera fortalecer o Mercosul para depois negociar as condições em que se dará a Alca. Os Estados Unidos já estão mais apressados.
Holbrooke - Não vou criticar o governo brasileiro. É uma estratégia que sou obrigado a respeitar. E respeito.
Mas não deixo de ter meu ponto de vista favorável à união de todo o continente americano em um grande bloco.
Folha - Como diplomata, qual o senhor acha que deva ser o papel dos Estados Unidos no mundo de hoje, o mundo pós-Guerra Fria?
Holbrooke - É uma pergunta muito importante, porque vivemos um momento histórico.
Nos Estados Unidos, há um grande debate sobre o assunto. Eu sou um ativista que defende ardorosamente a tese de que o país deve ter um papel forte, deve participar mais ativamente do processo de paz em outras regiões.
Hoje o momento é propício, ele nos abriu uma janela de oportunidades para resolvermos velhos problemas que estão aí, como a Bósnia, o Oriente Médio, guerras civis na África...
Os Estados Unidos não podem deixar passar a oportunidade de mostrar sua liderança. Não uma liderança pela liderança. Uma liderança para levar a paz e a democracia para regiões com problemas.
Folha - E a administração do presidente Bill Clinton, do ponto de vista das relações internacionais, como está se saindo?
Holbrooke - Está se saindo bem. Nos Estados Unidos, o problema está sendo a atuação do Congresso, que acaba emperrando as iniciativas do presidente.
O Congresso não mostra a mesma disposição de Clinton de participar tão ativamente de projetos de paz e desenvolvimento em outras regiões do globo.

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