São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 1997
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BB, crônica de uma privatização anunciada

RICARDO BERZOINI; ALENCAR FERREIRA

RICARDO BERZOINI e ALENCAR FERREIRA
O Banco do Brasil passou por uma reestruturação profunda nos últimos dois anos.
Em uma operação contábil de discutível perspicácia, a administração Paulo César Ximenes incluiu como irrecuperáveis nos balanços de 1995 e 1996 todos os empréstimos em atraso concedidos nas gestões anteriores -muitos deles aprovados de forma irresponsável, em negociatas políticas do governo federal para favorecer os amigos do poder, entre eles latifundiários e usineiros historicamente inadimplentes.
Incentivadora da inadimplência, porque tratou de maneira similar problemas distintos, a operação de Ximenes provocou o maior prejuízo da história do sistema financeiro mundial: R$ 11,7 bilhões, somados os exercícios de 95 e 96.
Contradizendo suas autoproclamadas moralidade e austeridade, a gestão Ximenes promoveu a altos postos do banco executivos acusados pelo Ministério Público e por auditorias internas de fraude e improbidade administrativa nas gestões anteriores.
Além de não tomar nenhuma medida para responsabilizar as administrações anteriores pelo rombo gigantesco, a atual diretoria do BB rolou dívidas de caloteiros contumazes para obter votos dos ruralistas e de outros parlamentares nas votações de interesse do governo federal no Congresso.
A seus funcionários, que não têm culpa alguma pelas más administrações (os funcionários, aliás, têm propostas para tornar a gestão do banco transparente e imune a falcatruas), a direção do BB reservou uma política de terror.
Implantou um plano de demissão voluntária (ao qual aderiram 13,4 mil funcionários), deslocou milhares de empregados em transferências compulsórias, fechou 432 agências e inúmeros centros de compensação.
Os salários estão congelados e a carga de trabalho aumentou brutalmente, assim como as horas extras não remuneradas, por falta de funcionários. As condições de trabalho pioraram e o autoritarismo cresceu dentro das dependências -gerando um clima de insatisfação, desânimo, depressão e até desespero, que resultou no suicídio de 25 funcionários.
Mesmo assim, os bancários do BB empenharam-se ao máximo na tarefa de reerguer o banco. Superaram, no ano passado, todas as metas traçadas para alavancagem de negócios e venda de produtos, contribuindo decisivamente para o lucro de R$ 255 milhões no segundo semestre de 1996 e de R$ 50 milhões nos dois primeiros meses de 1997.
Os funcionários do Banco do Brasil nunca perderam a perspectiva de que trabalham em um banco que pertence ao povo brasileiro e que tem um papel estratégico a desempenhar no desenvolvimento do país.
Os sindicatos vinham discutindo com a direção do BB formas de diminuir o clima de tensão no interior das dependências, dentro dos parâmetros das negociações sobre o acordo coletivo (ainda de 96). E os funcionários preparavam-se para começar a discutir o Programa de Remuneração Variável que o banco diz pretender implantar ainda neste ano.
Aliás, o próprio conceito de remuneração variável, segundo os consultores empresariais, pressupõe a existência de um clima distensionado dentro da empresa e uma certa afinidade na busca de objetivos comuns.
É nesse momento de busca de entendimento que o Banco do Brasil anuncia 538 demissões, apesar das garantias, feitas nas mesas de negociação, de que essa medida extrema estava descartada e que era preciso melhorar o relacionamento empresa-funcionários.
Se não forem revogadas, as demissões quebram irremediavelmente os laços de confiança dentro da empresa. E aí fica claro que a verdadeira intenção da gestão Ximenes, ao contrário da dos funcionários, é manter a turbulência nas relações internas, desgastar a imagem do banco, enfraquecer sua atuação no mercado e assim justificar a sua privatização.
Ou será mera coincidência o BB adotar essa postura na semana em que perde para o HSBC Bamerindus o posto de maior banco internacional do Brasil e de principal instituição financeira brasileira com atuação no comércio exterior?

Ricardo Berzoini, 37, é presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo.
Alencar Ferreira, 33, é coordenador da Comissão de Empresa dos funcionários do Banco do Brasil.

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