São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 1997
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É mesmo preciso destruir a indústria nacional?

ALOYSIO BIONDI

O governo FHC decidiu dar prioridade à instalação de telefones no país: está investindo, ele próprio, 400% ou 500% a mais nessa área do que na pesquisa de petróleo ou construção de usinas hidrelétricas (fontes de energia, que movimentam a economia do país, geram novas indústrias, novos empregos, mais renda).
A prioridade em si, nessas proporções cavalares, já é discutível. Mas, além disso, os caminhos escolhidos para o "salto" no setor de telecomunicações são absolutamente ruinosos para o Brasil -servindo bem para avaliar as aberrações de política "deseconômica" e "de desindustrialização" adotada pela equipe FHC. Tudo o que uma classe empresarial e uma sociedade com-vergonha não deveria aceitar de governantes está ocorrendo:
* Estratégia - Há poucos dias, o ministro Sérgio Motta anunciou uma "política de apoio" à indústria de telecomunicações.
* Dólares - Essa "política", na verdade, concede vantagens, incentivos para as multinacionais do setor importarem peças e componentes. Leia-se: concede vantagens para essas empresas destruírem as indústrias nacionais que fornecem peças e componentes. Ou ainda: a "política" de governo é conceder vantagens para "torrar dólares" com importações, afundando cada vez mais as contas do país com o resto do mundo. Isso, mesmo agora, quando até os geniozinhos da equipe FHC admitem que o "rombo" na balança comercial (exportações menos importações) está preocupante.
* Recessão - O estímulo às importações tende a levar o país, como no passado, à falta de dólares para pagar seus compromissos. Aí será preciso arrobar a economia, provocar uma recessão escancarada.
*Seu capital - Além de conceder vantagens para as multinacionais importarem, o governo FHC vai ao desplante de reservar alguns bilhões de reais do BNDES para serem emprestados exclusivamente para essas empresas. Isto é: o governo brasileiro está "pagando" para as multinacionais esmagarem as indústrias nacionais -às quais não dá crédito. Tudo a prazos longuíssimos e taxas de juros escandalosamente baixas.
Resumindo: a "política industrial" do governo FHC é o avesso do que deveria ser. Destrói indústrias de fornecedores, destrói empregos, "torra dólares", desvia empréstimos para multinacionais -que, portanto, nem sequer trazem os tão falados dólares para investir no país. Tudo incentivado, subsidiado pelos empresários brasileiros e demais contribuintes, classe média e povão.
De quebra, outra aberração sobre a qual, estranhamente, não se fala nestes últimos tempos: a total dependência em relação à importação de tecnologia. O "emburrecimento" total do Brasil, que está se transformando em um país incapaz de produzir até as coisas mais simples.
Emburrecimento - 1
A equipe FHC e demais defensores do "escancaramento" do mercado têm manipulado a opinião pública, com o uso de um argumento bastante atraente: é preciso atrair as multinacionais, dizem, porque elas têm "tecnologia avançada", isto é, seus métodos de produção significam modernizar a indústria e a economia do país, nestes tempos de "globalização".
A falsidade desse argumento é arrepiante. Como na década de 70, cria-se toda uma mitologia em torno de "tecnologia", como algo etéreo e inacessível. Tecnologia, por definição, é a forma de fazer qualquer coisa. Uma dona-de-casa hábil em fazer um assado tem "tecnologia"; um pescador que saiba quando desencadear a fisgada, idem; um ceramista que saiba o "ponto" do barro, igualmente.
Emburrecimento - 2
Um país está desenvolvendo tecnologia, está evoluindo, quando suas empresas e seus habitantes sabem "como" fazer ou produzir qualquer coisa. Inversamente, quando um país destrói as empresas e os empregados que "sabem" fazer coisas, ele está, na verdade, destruindo tecnologia, destruindo seu conhecimento.
Esse país, ou republiqueta, muda completamente de posição: passa a ser um país que "não sabe" fazer, já que todo o conhecimento industrial estará em mãos de multinacionais -isto é, no país da matriz.
O Brasil está virando um país burro. Condenado a comprar tudo no exterior, a torrar dólares eternamente para isso. E a ficar nas mãos dos países "que sabem": eles, por meio de suas multinacionais, decidirão sempre o que deve ou não ser produzido pela sua filial. Pelo Brasil.

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