São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997
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Sem-terra, com TV

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Nos dois momentos em que o presidente Fernando Henrique Cardoso se referiu ontem publicamente ao MST, não conseguiu entender-se com ele próprio. Ficou entre o conciliador e o acusador, entre menosprezar e valorizar a força do movimento.
Do encontro fechado com a liderança do grupo, não havia informações até o momento de escrever.
Enquanto o presidente não se decide, o que espanta é a mudança no tratamento dispensado ao MST pelos telejornais. Até faz pouco, o grupo era tratado como um bando de radicais.
Agora, viraram queridinhos da pátria. "Efeito Rei do Gado", palpita Gustavo Franco, o diretor da Área Externa do Banco Central, aludindo à novela da Rede Globo que introduziu os sem-terra no horário nobre.
Do ponto de vista dos desdobramentos políticos, é importante saber quanto tempo dura tal efeito, se é que ele de fato existe. O MST parece disposto a manter por mais algum tempo o acampamento armado na Esplanada dos Ministérios.
Será politicamente relevante enquanto permanecer sob o foco das câmeras de TV. Quando voltarem para os "eldorados do carajás" espalhados pelo país, no entanto, só retornarão às telas se houver alguma outra matança coletiva.
Afinal, foram 57 os mortos de 1996, mas só os 19 de Eldorado do Carajás subiram ao horário nobre.
E a marcha durou dois meses, mas apenas a sua aproximação do coração do poder mereceu o destaque (e a simpatia) que agora se vêem.
Nada impede que, em pouco tempo, os sem-terra sejam devolvidos ao anonimato. Ou por motivos extrajornalísticos ou, pura e simplesmente, pela velocidade com que, hoje, um fato novo atropela o imediatamente anterior.
Parte do impacto político do movimento se diluirá, então, ao se apagarem os holofotes da TV sobre ele. A menos que o MST tenha uma estratégia para mantê-los acesos sem que seja preciso iluminar também o sangue.

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