São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 1997
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Por que dizer não à doação da Vale?

JOSÉ EDUARDO DUTRA

Nos dois últimos anos tenho procurado, no Senado e nos debates de que tenho participado, abordar a questão da privatização da Vale do Rio Doce sob a lógica da globalização que move o governo Fernando Henrique, deixando de lado os argumentos nacionalistas que considero, em grande parte, anacrônicos e obsoletos.
Desde os tempos em que a palavra globalização ainda não estava inserida no vocabulário político nacional, a Vale já atuava de forma compete3nte e competitiva em um mercado altamente globalizado.
A Vale representa um sistema econômico global, com capacidade de estabelecer parcerias, atrair investimentos para o país e desenvolver processos de pesquisa capazes de garantir modernização e avanços tecnológicos, que estão presentes em diversos ramos da atividade econômica, abrangendo o setor mineral, de celulose, de siderurgia e transportes.
Não tenho dúvidas de que a Vale do Rio Doce é um dos poucos instrumentos de que o Brasil dispõe para investir de forma soberana no processo de globalização. Contudo, as prioridades do governo seguem uma direção totalmente oposta.
A propósito, a solução mágica que o BNDES encontrou para, em tese, obstaculizar a cartelização do setor foi vedar a compra da maioria das ações da Vale por empresas que fossem grandes consumidores ou concorrentes que atuassem de maneira ofensiva no mercado de minério de ferro.
Ocorre que os termos do edital terminam por direcionar o leilão para a Anglo American, que é maior empresa de mineração do mundo, com forte presença no mercado de ouro. O leilão da Vale virou um jogo de cartas marcadas, e o mercado aposta que não haverá lances que garantam ágio sobre o valor mínimo subestimado para a venda da empresa.
Por sua vez, a fórmula encontrada pelos cérebros privatizantes do BNDES para excluir as jazidas minerais da cotação do preço mínimo é de uma geniosidade predatória. O governo criou uma sociedade de pesquisa para administrar as novas descobertas em Serra Leste e Carajás que reserva 50% do capital para o BNDES e o restante para a Vale do Rio Doce.
As estimativas mais modestas apontam que essas reservas de ouro se equiparam ao potencial da África do Sul e valem entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões. Significa que a criatividade do governo tirou o "bode da sala" e salvou o país de um prejuízo de cerca de US$ 2 bilhões, transferindo graciosamente a outra metade para os compradores da Vale.
Não é por menos que o grau de intimidade e inserção dos investidores estrangeiros junto ao BNDES se encontra em alta. Recentemente, assistimos de maneira atônita e indignada a contratação da sra. Elena Landau para prestar consultoria para o Bear Stearns & Co., na condição de diretora de investimentos internacionais dessa conhecida instituição financeira norte-americana. Não é demais lembrar que essa senhora tinha sob a sua responsabilidade a coordenação de todo o processo de privatização da Vale.
É impressionante e inaceitável o poder que este governo depositou nas mãos da tecnocracia. A forma que o presidente Fernando Henrique escolheu para conduzir a privatização da Vale está ignorando as críticas de sua base governista, está fazendo com que a tecnocracia substitua o Senado e está alijando a sociedade, que reivindica o direito de participar da discussão e decisão sobre a privatização da Vale do Rio Doce.
Em resumo, o edital de privatização da Vale e os últimos arranjos que a tecnocracia do BNDES, sob o comando do ministro Antonio Kandir, vem produzindo para facilitar a participação da Anglo American não deixam dúvidas que o governo colocou em operação uma verdadeira campanha de doação da empresa para os seus concorrentes internacionais.
Por isso, a despeito dos estigmas que cercam os conceitos de direita e esquerda, modernos e atrasados, liberais e estatizantes, todos nós brasileiros que defendemos o progresso social e a soberania do país temos que resistir à doação desse importante órgão para a economia brasileira que o governo está jogando na bacia das almas.

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