São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 1997
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Saída para o futebol é administrativa, diz Zico

MARCELO DAMATO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O presidente do primeiro clube-empresa do Brasil, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, responsabiliza seus novos colegas pelos problemas do futebol brasileiro, em geral, e do Rio, em particular.
Para Zico, a crise do futebol brasileiro tem como causa a má administração nos clubes.
Ex-jogador, Zico prevê que seu time, o Rio de Janeiro FC, vai ter sucesso por aplicar métodos responsáveis de gestão.
Ele não teme nem a força política dos clubes rivais. "Só quem pode me prejudicar é a arbitragem."
*
Folha - O Rio de Janeiro FC, antes mesmo de estrear no campeonato estadual, já tinha no Rio uma imagem de potência. Pessoas diziam que já era melhor do que o Fluminense. Como você vê isso?
Zico - Isso não tem cabimento. O Fluminense tem um patrimônio enorme e tradição. O problema é como ele é administrado. O Rio de Janeiro está no bom caminho, mas está começando agora.
Folha - A administração é o problema dos clubes?
Zico - É o principal. Os dirigentes têm que ser profissionais. Eles dizem que trabalham por amor, não ganham nada, mas fazem exatamente o contrário. Os dirigentes se beneficiam dos clubes.
Folha - Até que ponto pode ir a profissionalização?
Zico - Até o fim. Dá para separar as contas, futebol e parte social. O futebol tem que se sustentar por si só. Ser uma empresa.
Folha - Então por que não transformá-los em empresas já?
Zico - Do jeito que eles são administrados, se mudar de uma hora para a outra, a maioria fecha.
Folha - Dirigentes dizem que a Lei Zico cria um obstáculo à mudança dos clubes em empresa, os impostos. Como você responde?
Zico - Na hora em que os clubes perceberem que esse é o caminho, eles irão atrás. Existem clubes que ficam numa penúria danada, à espera de um salvador. A lei permite que eles terceirizem o futebol profissional para uma empresa.
Folha - De quem é a culpa do que acontece no futebol do Rio?
Zico - Dos clubes. Hoje, com o voto plural (clubes com conquistas têm maior peso eleitoral), Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo teriam a maioria caso se unissem. Mas o Kleber (Leite, Flamengo) e o Eurico (Miranda, Vasco) vivem brigando, e isso cria essa bagunça que está aí.
Mesmo assim, os clubes têm poder na federação. Hoje, são eles que organizam o campeonato, função que cabe à federação. Em São Paulo, a federação tomou as rédeas e organizou o futebol, que está melhor do que aqui.
Folha - Você acha que clubes não devem organizar campeonatos?
Zico - Acho que não. Quando a federação organizava, os campeonatos eram bons. Tinham público. A federação só tem que ouvir os clubes, mas é ela que organiza.
Folha - Estados que estão fora do Brasileiro pedem que se aumente de novo o número de times, como nos anos 80, quando dizem, havia mais investimento. Como você rebate isso?
Zico - Esses Estados têm hoje a Copa do Brasil. Não dá para um time de US$ 100 milhões disputar um campeonato longo com outro de 500 "merréis".
Folha - O contra-argumento é que eles podem ser eliminados já no primeiro jogo...
Zico - Mas está certo. Quem não mostra um mínimo de estrutura tem que ser eliminado de cara. Se os pequenos querem ser grandes, que administrem direito.
Folha - Como você acha que deve ser o Estadual do Rio?
Zico - Não se pode obrigar o Flamengo a jogar duas vezes com o Olaria, duas vezes com o Madureira. Uma vez só está bom. É mais ou menos do jeito que está.
Folha - Mas mesmo jogando duas vezes, esses clubes sempre fecham o ano com prejuízo...
Zico - O que é acontece é que, antigamente, os clubes investiam em divisões de base, nos juvenis, juniores. Os campeonatos estaduais duravam mais, e os jogadores ficavam empregados.
Hoje, os times estão pegando jogadores de time grande, fazendo contrato de três meses, o que sai mais caro e não resolve. Jogador de time grande não joga no pequeno com vontade. Por isso, hoje, não tem mais zebra.
Folha - O que se poderia fazer para mudar isso?
Zico - É preciso obrigar todos os clubes a disputarem quatro categorias: infantil, juvenil, júnior e principal. No Rio de Janeiro, a maioria dos clubes nem tem os juniores. Assim, não se cria nada.
Folha - Em alguns Estados, as federações são dominadas eleitoralmente pelos clubes amadores. Você é a favor da separação?
Zico - Sem dúvida, não há como misturar interesses tão diferentes. Esse é aliás um dos motivos de a Lei Zico permitir a criação de ligas. É para separar.
Folha - Em 1995, você foi uma voz independente no Flamengo, apontando erros da administração. Se você tivesse sido ouvido, teria criado o Rio de Janeiro?
Zico - Não sei. Se o Flamengo fosse administrado do modo certo, talvez estivesse hoje lá dentro.
Folha - A criação do Rio de Janeiro é, em parte, consequência da sua decepção com o Flamengo?
Zico - O motivo principal de eu formar o clube é motivar os garotos da escolinha. Nos juvenis e juniores do Rio de Janeiro FC, os alunos têm preferência. Eu não queria formar jogadores e depois largá-los no mercado do futebol, apesar de eles terem total liberdade para ir aonde queiram. Por exemplo, se o Flamengo fosse bem administrado, eu poderia ter um convênio com eles.
Folha - Você ainda põe dinheiro seu no clube?
Zico - Não, estou só administrando o que entra. A fase de investimento direto acabou. Agora, vou apenas reinvestir o lucro do Rio de Janeiro.
Folha - Qual é a fonte de dinheiro do clube?
Zico - O convênio com o Kashima Antlers me garante US$ 25 mil por mês, o patrocínio da Energil C, mais R$ 15 mil. Com esse dinheiro, tenho que manter o clube todo e, se tiver lucro, pagar imposto. Faço o que é o certo.
Folha - Você não teme que a falta de torcida atrapalhe o clube?
Zico - Isso não é problema. A torcida hoje são só os alunos, os jogadores e os pais deles. Mas vai aumentar. Quando eu cheguei ao Kashima, ninguém ia no jogo. Hoje, o time tem a maior torcida do país.
Folha - Várias pessoas que saem do futebol dizem que não há como vencer agindo honestamente. Você não teme que o Rio de Janeiro FC seja vítima de uma tramóia?
Zico - Só a arbitragem pode me derrubar. Se eu não der margem para me levarem para o tribunal, não vai ter armação lá. E, se eu botar a imprensa inteira para ver um jogo meu, quero ver o árbitro fazer alguma coisa contra o meu time.

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