São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 1997
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Salvando a Web

MARIA ERCILIA
DO UNIVERSO ONLINE

A Internet é um meio muito volátil. Páginas aparecem e desaparecem, links se alteram caducam, mensagens vão e vêm sem que ninguém se preocupe em arquivá-las. A própria facilidade para tirar e pôr informação aumenta o pouco-caso com a memória da rede. Ninguém dá conta de atualizar o emaranhado de hipertexto que se forma, com links quebrados em todas as pontas.
O projeto Internet Archive (www.archive.org) tenta fotografar esse rodamoinho de informação em movimento. Seu fundador, Brewster Kahle, tem a doida ambição de salvar toda a Internet.
Para Kahle, trata-se de uma missão possível e até razoável. A Internet não é tão extensa quanto se supõe, afirma ele.
Em texto publicado no final do ano passado na "Scientific American", Kahle afirmava que a Web, então estimada em 50 milhões de páginas, não passava de 1,5 terabytes (ou milhões de megabytes).
Para comparar: a Biblioteca do Congresso norte-americano acumula o equivalente a 20 terabytes de dados. Kahle estima a vida média de uma página de Web em 75 dias.
É muito fácil aumentar esse bolo. Conservá-lo de forma inteligível já é outra história. É como tentar capturar o vôo de uma borboleta -dificílimo e provavelmente inútil.
O gosto de Kahle por indexação não é de hoje. Quem usa a Internet há alguns anos lembra do WAIS (Wide Area Information Servers), criado por ele. Era o único instrumento de busca disponível na rede. O Internet Archive é uma idéia meio quixotesca -é complicado recolher de forma centralizada material tão heterogêneo e produzido por milhares de fontes.
Uma alternativa seria reproduzir bases de dados que são mantidas por empresas e criar uma estrutura para que sites mais informais possam ser também arquivados.
Esse esforço colossal lembra o abortado projeto Xanadu (www.xanadu.com.au/the.project), um dos grandes fracassos da história da informática. Ted Nelson, criador da palavra hipertexto, consumiu 30 anos e uma quantidade de dinheiro no que seria uma biblioteca eletrônica mundial, com uma sofisticada indexação e um sistema de direitos autorais.
A visão de Nelson era grandiosa e antecipou o que a Web é hoje, mas falhou. Nelson quer migrar os restos de Xanadu para a Web, embora a considere imperfeita. "Ver a Web é descobrir que tenho um filho crescido -e que ele é um delinquente", observou.
Nelson afirmou certa vez que a visão que o influenciou na construção de Xanadu foi um rodamoinho de água que viu num quadro, e que desde então sonha interromper o fluxo natural de esquecimento e perda.
Alguns de seus ex-discípulos levaram a metáfora tão ao pé da letra que hoje estão metidos na ainda mais mirabolante criogenia -congelam pessoas mortas, na esperança de que a ciência as ressuscite.
Se Nelson sonhou com o hipertexto três décadas antes da Web, Vannevar Bush antecipou o próprio Nelson. Em 45, escreveu um texto histórico, "As We May Think" (www.atlantic.com/), em que afirmava: "O homem construiu uma civilização tão complexa que precisa mecanizar mais completamente seus registros".
Nesse texto, Bush propõe um aparelho imaginário, o memex, com características de hipertexto e indexação automática. Uma dispositivo de extensão da memória, baseado em microfilme. Coincidentemente, Bush foi diretor da ARPA, agência do governo norte-americano que lançaria a pedra fundamental da Internet.
Antes ainda de Bush, em 38, H.G. Wells formulou o conceito do World Brain, ou cérebro mundial. "Uma Enciclopédia Mundial já não se apresenta como uma fila de livros impressos... (...) Essa organização enciclopédica pode ter a forma de uma rede", escreveu.
A Internet é mais ou menos a concretização dessas fantasias, de abarcar todo o conhecimento do mundo numa espécie de modelo ampliado do cérebro. Tem as principais características dessas visões: hipertexto, acessibilidade, ubiquidade.
Mas tem um aspecto que ninguém previu ou desejou: como a mente humana, é capaz de esquecer. Talvez seja melhor deixá-la assim.

Você acha que vale a pena arquivar a Internet? Escreva para netvox@uol.com.br

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