São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997
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Bóias vão ajudar a entender o oceano

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um conjunto de bóias científicas alinhadas no meio do Atlântico Sul, entre as costas do Brasil e da África, irá aumentar o conhecimento da ciência sobre os oceanos, mas também vai além disso. As bóias do chamado projeto Pirata, tocado por pesquisadores do Brasil, EUA e França, vão afetar a própria economia do Nordeste.
"O Pirata é uma ameaça à indústria da seca", diz o seu coordenador brasileiro, Márcio Vianna, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). "E também vai contribuir para a melhora da pesca na região."
Isso tudo decorre do potencial do projeto de melhorar as previsões climáticas e o conhecimento sobre o ciclo das chuvas.
Um dos alvos dos pesquisadores é conhecido como Evento Quente do Atlântico, uma mudança na temperatura oceânica que afeta o comportamento dos cardumes de peixes e outros animais. Anomalias de temperatura de superfície do mar na região tropical também afetam as secas no Nordeste.
O evento influencia a pesca tanto no Brasil como na África. Certa vez, graças a essa flutuação climática, as praias da África do Sul foram tomadas por milhares de lagostas. "Em certos pontos foi preciso usar trator para retirá-las."
O objetivo do Pirata (sigla para "Pilot Research Moored Array in the Tropical Atlantic", ou Rede Ancorada Piloto de Pesquisa no Atlântico Tropical) é estudar as interações mar-ar que "sejam relevantes para a variabilidade climática regional em escala sazonal, interanual ou mais longas". O transporte de águas do Brasil para a África ao longo do Equador muda rapidamente o clima tropical do Atlântico em alguns meses.
"Mudanças percebidas nos ventos perto do Brasil em maio mudam as condições oceânicas perto da África em outubro, que por sua vez modificam a estação chuvosa do Nordeste entre março e maio do outro ano", diz Vianna.
Os pesquisadores querem entender como se dá a variação dos desvios de temperatura da água do mar do Hemisfério Norte em relação ao Hemisfério Sul. "Quando as águas do Hemisfério Norte são mais quentes do que no Hemisfério Sul, existe tendência de período seco no Nordeste, mas boa pesca. Se o Hemisfério Sul está mais quente do que o normal, a tendência é de bom inverno, mais chuvas no Nordeste e pesca ruim", declara o pesquisador do Inpe.
Os pesquisadores pretendem instalar, entre 1997 e o ano 2000, uma rede de bóias -o número estudado está entre 12 a 14- com instrumentos que obterão dados para checar a "evolução da temperatura da superfície do mar, a estrutura térmica do oceano superior e os fluxos de momentum, calor e água doce entre oceano-atmosfera no Atlântico tropical".
Além do Inpe, participam do Pirata a Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) da Marinha e universidades como a USP.
A primeira bóia deverá ser lançada ao mar em julho ou agosto próximos. "Os três primeiros lançamentos este ano serão no Equador e no Hemisfério Norte, na longitude de 35° e 38° oeste, até 15° norte, a partir de Fortaleza. Em setembro os franceses lançam duas bóias no Equador e no Hemisfério Sul, na longitude de 10° oeste, até a latitude de 10° sul, partindo de Abidjan, Costa do Marfim", afirma Vianna.
O conhecimento do clima do Nordeste vai ser um dos grandes beneficiados com o programa. "Não se pode falar em variação climática sem levar o oceano em conta", diz outro membro do Pirata, a pesquisadora Ilana Elazari Klein Coaracy Wainer, do Instituto Oceanográfico da USP.
"O estudo da interação entre esses dois sistemas é fundamental se queremos entender, por exemplo, o impacto das variações climáticas no meio ambiente", afirma ela.
Para esse grupo de cientistas, é importante diferenciar a variação natural do sistema oceano-atmosfera daquela forçada por fontes externas, como o efeito estufa.
O objetivo inclui, portanto, entender qual o papel relativo dos oceanos no clima global em diferentes escalas de tempo.

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