São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 1997
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Estudo analisa novo movimento estudantil

FERNANDO ROSSETTI
DE NOVA YORK

As manifestações dos jovens caras-pintadas pelo impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, provocaram fortes mudanças no perfil do movimento estudantil e as repercussões disso "ainda estão para ser vistas".
Essa é a posição defendida pela socióloga norte-americana Ann Mische, 32, doutoranda da New School for Social Research -instituição nova-iorquina que já teve entre seus professores a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-75).
Em um artigo que será publicado pela "Revista Brasileira de Educação", Ann analisa as "transformações sociais que levaram os jovens da identidade forte de 'estudante' na década de 60 à outra identidade, mais abrangente e ambígua, de 'cidadão' nos anos 90".
O artigo traz um rico levantamento das diferentes interpretações dadas às manifestações juvenis de 1992 e uma discussão, bastante complexa, do próprio conceito de identidade.
Interpretações
No processo denominado de "a batalha de interpretações", Ann mostra como essas manifestações "pegaram a maioria dos brasileiros de surpresa".
"Reportagens na grande imprensa retratavam o desinteresse político da 'geração shopping center', nascida durante a ditadura e criada entre as expectativas e desilusões sucessivas da lenta e conservadora transição à democracia."
Com a saída às ruas dos caras-pintadas, "surgiram comparações nostálgicas com a oposição estudantil dos anos 60, que começou com a campanha pela reforma universitária e se radicalizou ao longo de vários anos de confronto com a ditadura militar".
Mas é em relação a essas comparações que Ann lança seus principais questionamentos: "Enquanto as mobilizações anteriores foram conduzidas em um campo polarizado entre o Estado militar e a oposição estudantil, os caras-pintadas foram atores privilegiados em uma ampla mobilização da sociedade civil e política contra o governo Collor."
'Democracia em formação'
Com o discurso da esquerda subordinado à linguagem mais universalizante de "cidadania", "os jovens estavam participando (nas manifestações) não como radicais ou conservadores, socialistas ou liberais, membros de grupos políticos, ou até como 'estudantes', mas como 'cidadãos em formação', tentando resgatar a 'democracia em formação' da herança de corrupção e impunidade pública".
Até o ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo, coronel Erasmo Dias, é citado. "A sociedade precisa unir-se para dar um basta à atividade criminosa no governo federal", disse ele, em apoio aos caras-pintadas.
Mas Ann acrescenta outros elementos a essa interpretação. Com cinco anos de Brasil, a socióloga tem um amplo mapeamento das organizações juvenis.
É com isso que ela enriquece a análise dos eventos de 1992 e suas repercussões no futuro.
Ann mostra como os movimentos organizados entre os jovens -PCdoB e PT e entidades como a UNE (União Nacional dos Estudantes)- já estavam debatendo "as novas preocupações dos jovens".
E foi o reconhecimento dessas mudanças que possibilitou que o então presidente da UNE, Lindberg Farias, se projetasse "para fora das redes militantes, aparecendo nas manifestações (e na mídia) como figura simpática e inteligente, na qual os jovens de classe média poderiam reconhecer suas próprias experiências e aspirações".

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