São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 1997
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A Vale e os fundos sociais

LUÍS NASSIF

Uma análise racional sobre o papel da Vale do Rio Doce não deveria justificar as reações que sua privatização vem provocando.
Há muita desinformação no ar. Ainda mantém-se muito do espírito dos anos 50, quando se tratavam as riquezas minerais do país como um fundo de poupança, que não deveria ser mexido, e não como um potencial de riqueza, que só se realizava quando devidamente explorado.
Em vez de analisar a riqueza gerada por quilo de minério que se tirava do solo, pensava-se apenas no esgotamento das reservas.
Quando a Vale foi criada, nos anos 50, o minério de ferro possuía um papel muito mais estratégico do que hoje em dia.
A empresa cumpriu sua missão de localizar e explorar jazidas. A legislação, não. Em vez de muitas Vales, explorando o subsolo, gerando riquezas e permitindo a ampliação de indústrias, criaram-se sistemas de concessões eternas que praticamente amarraram a exploração mineral às possibilidades e limites de uma só empresa.
Funções públicas
Todas as funções públicas que a Vale estatal cumpre poderão ser exercidas pela Vale privada.
Por que não se consegue passar esses conceitos para parte significativa da opinião pública?
Porque, desde as primeiras privatizações no início dos anos 90, ainda não se cuidou de legitimar o processo pela transferência de parte do patrimônio ao povo brasileiro -por intermédio do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Logo que assumiu o Ministério do Planejamento, o ministro Antonio Kandir anunciou essa possibilidade como uma de suas prioridades.
Bastou o governo conseguir se fortalecer politicamente para esses cuidados políticos essenciais serem deixados de lado.
Permitir que as ações da Vale sejam utilizadas, em parte, para prover de lastro o FGTS, não deveria ser apenas tática para facilitar a privatização, mas um princípio político fundamental para lançar as bases de um verdadeiro capitalismo social no país.
O setor público deve bilhões ao FGTS. Caso não utilize a privatização para ressarcir o fundo, mais dia menos dia haverá a inadimplência.
A destinação prevista para os recursos da venda da Vale não ajuda a legitimar o processo de privatização.
Tudo o que for obtido com a privatização da Vale não será suficiente para cobrir três meses de juros da dívida interna, depois da política monetária irresponsável aplicada em 1995.
No fundo, completa-se o ciclo previsto pela coluna. Naquele ano, teve início o processo efetivo da privatização branca.
A política monetária criou um passivo gratuito de bilhões e bilhões de dólares.
Os investidores de títulos públicos acumularam o crédito fiduciário. Agora, com a venda do patrimônio das estatais, seus créditos passam a dispor de lastro real.
Patrimônio espoliado
O que ocorre, então? Na privatização de setores que prestam serviços diretamente à população há apoio à privatização.
Sabe-se que, privatizando-se, telefones passarão a ser abundantes e os serviços serão melhores.
No caso de setores sem prestação de serviço -como é o caso da mineração-, cria-se essa sensação de que o patrimônio do país está sendo jogado fora.
Pouco importa se a percepção não é verdadeira. Do ponto de vista político, sente-se que um patrimônio do país, apesar de não ser propriamente uma empresa pública, está sendo alienada a terceiros.
O ministro Kandir iniciou bem sua gestão, cheio de idéias e de propósitos de mudanças. Aparentemente, a burocracia brasiliense está reduzindo sua vontade de mudança e de modernização.
Seria conveniente para o país que retirasse suas idéias de privatização com fundos sociais do armário, lustrasse e apresentasse novamente à opinião pública como forma de conferir o máximo de legitimidade econômica e social à privatização.
Cultura nacional
De norte a sul do país, a cultura popular reverencia Pixinguinha, pelos cem anos do seu nascimento.
Enquanto isso, a cultura erudita continua mostrando sua quase incapacidade de se pensar nacional.
Rádios educativas são capazes de produzir programas diários celebrando o bicentenário do nascimento de Schubert, mas o país é incapaz sequer de encenar óperas ou de organizar recitais referentes aos cem anos da morte de Carlos Gomes.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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