São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 1997
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Qual é a graça dessa brincadeira?

SILVIA RUIZ; CRISTIANE YAMAZATO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em uma pacata cidade dos EUA, uma dupla de garotos -18 e 17 anos- são acusados de matar o funcionário e o dono da pizzaria que entregavam o pedido deles: duas pizzas de queijo. Na mesma semana (dia 20/4), cinco jovens, entre 16 e 19 anos, são acusados de incendiar um índio que dormia num ponto de ônibus em Brasília. Era brincadeira, explicam os cinco. "O que esses caras têm na cabeça?", é o que todo mundo se pergunta. Aqui vão algumas opiniões de psiquiatras e psicólogos.

Na adolescência, certos hormônios podem desencadear a manifestação de uma espécie de instinto selvagem? Ou seriam as letras de heavy metal, que tanto pregam a violência, capazes de influenciar o público? Beavis and Butt-head são lá uma boa inspiração. Não, é falta de orientação da família, responsabilidade, espírito de cidadania. Ou ainda, quem sabe, um clima de impunidade propicia práticas desumanas.
Alguns desses temas foram levantados por terapeutas e psiquiatras na tentativa de explicar a ação bárbara de que são acusados os cinco jovens de Brasília.
Em primeiro lugar, "nenhum hormônio justifica um ato desses", diz a ginecologista Albertina Duarte Takiuti, coordenadora do Programa do Adolescente da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
Mas a médica acredita que atos criminosos se devem a uma "globalização da violência. Hoje existe violência na tela, na mídia. Sabemos de todo tipo de violência e também de muitos casos de impunidade".
Ela acrescenta ainda a falta de estímulo para ações de defesa da cidadania, da fraternidade, da solidariedade. "Querem acabar com os miseráveis e não com a miséria", diz Takiuti.
Para o psiquiatra e colaborador da Folha Jairo Bouer, a desigualdade social é ainda mais acentuada em Brasília. "Há um isolamento dos mundos. O que é um mendigo para um garoto de classe média alta? É uma lata de lixo, uma garrafa que ele quebra na rua. Eles não reconhecem um mendigo como parte da realidade deles", diz Bouer.
Essa desigualdade social aliada ao espírito de onipotência do jovem propiciou essa explosão da violência, acredita Willians Valentini, psiquiatra e consultor do Ministério da Saúde. "Esses garotos foram traídos pela onipotência", diz o médico.
O assassinato do índio Galdino em Brasília foi uma "brincadeira" que extrapolou outros atos violentos praticados por jovens de classe média.
Como mostram alguns depoimentos nesta página, atirar em mendigo, jogar bomba em escola ou bater um tapete enrolado contra estranhos em paradas de ônibus são outras "brincadeiras" que divertem jovens paulistanos.
"A gente tem uma carência tão grande de valores, que pode acabar dando nisso; a lei do vale tudo para ter prazer, para se divertir. Existe uma deformação da busca do desejo e do prazer", diz Leda Maria Zancanela, psicanalista e professora do Instituto Sedes Sapiense. "Para mim, tanto faz um racha na avenida Sumaré ou uma perversão como essa", diz ela.
(SILVIA RUIZ E CRISTIANE YAMAZATO)

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