São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 1997
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Vida de presidente

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Algo aconteceu na passagem da primeira para a segunda metade do mandato de Fernando Henrique. O presidente experimenta uma estranha metamorfose em sua relação com o poder.
Ouça-se o que dizia logo após assumir: "É fácil governar o Brasil". Fernando Henrique comportava-se como menino diante de brinquedo novo.
Escute-se agora a pergunta que dirigiu aos jornalistas na semana passada, durante visita ao Canadá: "Vocês acham que minha vida é fácil?" Ele próprio respondeu:"Não."
Raiva, decepção e frustração, eis os sentimentos que rondam a Presidência da República no Brasil. Há fartura de exemplos.
Do suicídio de Getúlio à renúncia de Jânio. Da inapetência de Figueiredo à falta de jeito de Itamar.
Enquanto governou, Geisel deu uma única e escassa entrevista à imprensa. Foi no Havaí, escala de uma viagem para o Japão. "A presidência é um fardo terrível", afirmou.
Diz-se que Figueiredo marcava nas baias da Granja do Torto, a golpes de canivete, os dias que faltavam para deixar o Planalto. Pediu que o esquecessem. Sarney também ficou aliviado depois que a faixa de presidente deixou de pesar-lhe sobre o ombro.
Fernando Henrique despontava como vistosa exceção. Começa agora a escorregar para a vala comum. Reclama da leniência do Congresso, chama a oposição de "ranheta". Acha "vergonhoso" que os parlamentares demorem tanto para votar projetos do governo. "Por favor, votem, votem."
O presidente paga caro por ter entrado no jogo da clientela. Nada fez para alterar o sistema que rege as relações entre Executivo e Legislativo. Um sistema baseado na troca de favores, privilégios e verbas.
Sua Excelência explica as razões que o levam a sujeitar-se à vida difícil de presidente: "Faço tudo isso por dever de brasileiro." Curioso que queira ficar até 2002. A água do Alvorada deve ser muito boa.

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