São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 1997
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Saudosa memória

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Nos anos de regime autoritário, era raro o dia em que um militar ou civil ligado ao sistema não esclarecesse a nação que "estudante era para estudar", "operário para trabalhar", "padre para rezar". Negavam a participação política, proibiam a discussão dos temas nacionais a todos aqueles que não fizessem parte da casta dominante.
Lembrei esse tempo nefasto ao ler a declaração do presidente da República sobre a CNBB e a Vale. Na opinião de FHC, os bispos do Brasil devem pensar em outras coisas, em seus deveres profissionais. E deixar a venda da Vale para os tecnocratas, os guarda-livros e os intermediários de sempre e circunstância.
As autoridades do regime militar chegavam a pedir aos prelados simpáticos ao regime que fossem ao Vaticano para exigir do papa uma estranha proibição: que o clero e sobretudo o episcopado deixassem de se imiscuir em questões leigas, como torturas, prisões, exílios, direito de cátedra, independência dos tribunais etc.
Numa das paredes do que restou do velho "Correio da Manhã", até pouco tempo atrás, havia um papel amarelado com a portaria da censura federal proibindo que se publicasse qualquer declaração de dom Hélder Câmara.
Quando o presidente Jimmy Carter veio ao Brasil, as autoridades da época tudo fizeram para que dom Evaristo Arns não participasse de uma reunião com lideranças não-governamentais que o próprio Carter havia pedido. O que teria dom Evaristo a tratar com um presidente americano?
FHC aprendeu muito com o regime autoritário. Curioso é que ele, durante alguns anos, pensou que a esquerda estava próxima do poder -e tornou-se um espalhafatoso esquerdista. Agora nem sequer disfarça: adota os mesmos conceitos e as mesmas palavras dos generais Costa e Silva, Médici, Golbery, Portela e outros de não saudosa memória: estudante é para estudar, operário para trabalhar, bispo para rezar.

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