São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 1997
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'Carne Trêmula' abomina o amor padrão

ALZIRA BRUM LEMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM MADRI

"Carne Trêmula", o décimo-segundo filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar, se encontra na fase final de rodagem. Até a metade de abril, estará pronto para o trabalho de pós-produção.
A estréia deverá ser em setembro, num festival europeu, provavelmente Veneza (Itália) ou San Sebastián (Espanha).
Essa é a primeira vez que Almodóvar adapta um texto para um roteiro -uma adaptação livre do romance homônimo da americana Ruth Rendall.
"O trabalho é tão livre que nem é preciso pagar direitos autorais", afirmou Almodóvar.
A outra novidade diz respeito ao elenco, em que predominam novos rostos. Um processo natural para o diretor de filmes como "De Salto Alto" e "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos", acostumado a trabalhar com Carmem Maura, Victoria Abril e Marisa Paredes.
Embora não queira revelar detalhes da trama -"tenho que reservar uma surpresa aos meus espectadores"-, Almodóvar diz que "Carne Trêmula" é "um thriller sobre o desejo, o tremor do desejo. Uma história sobre desejo, paixão, medo, incerteza e espera, tudo junto".
Enredo
O enredo está centrado na história de um jovem de 27 anos, Victor (Liberto Rabal), a quem o acaso empurra para a paixão, a cadeia, a inveja e a vingança contra os que causaram sua infelicidade: a mulher por quem é apaixonado, Elena (Francesca Neri), e seu marido, David (Javier Bardem), um ex-policial paraplégico campeão de basquete em cadeira de rodas.
Nem harmonias nem histórias de amor padrão. O diretor espanhol aposta mais uma vez nos conflitos dos personagens.
"Comigo, as histórias de amores que funcionam e perduram não têm vez, porque não concebo o casal feliz. Isso não significa que eu seja pessimista, mas que somos feitos assim, de paixão, e a paixão passa por zonas muito obscuras."
"Carne Trêmula", a julgar pela locações e pelas declarações de Almodóvar, amalgama vários universos temporais e espaciais, compondo uma obra em diversos gêneros, na linha divisória entre a comédia e o drama, com um visual "barroco e quente".
Acontecimentos pontuais da história recente da Espanha atravessam a trama, que começa com o nascimento do protagonista no frio 2 de janeiro de 1969, quando o regime franquista comunicou à imprensa a entrada em vigor do estado de exceção.
Nesse dia, segundo um comentário do diretor "as ruas de Madri estavam desertas. Somente se ouvia um vento gelado que não conseguia varrer o medo dos espanhóis".
Saltando para a época atual, Almodóvar escolheu como locação La Ventilla, uma zona miserável de casas baixas, que sobrevive -na iminência da destruição- ao pé de uma das torres do edifício KIO, "uma paisagem bélica da Madri mais moderna, a grande porta da Europa".
"Essas torres patéticas, que recebem o visitante apontando para o alto, estão de perfil, olham de soslaio para todo esse submundo que há na base. Não faz falta explicar o contraste porque é físico e muito eloquente."
Almodóvar não deve decepcionar. Sua filmografia revela a busca de expressões universais a partir dos condicionantes particulares da sociedade espanhola. Como ele bem explica, "não sou nacionalista, embora me considere muito espanhol".

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