São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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No sisal, meninos trabalham para atender ao Primeiro Mundo

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RETIROLÂNDIA (BA)

Um exército de 30 mil crianças de 3 a 14 anos trabalha nas primitivas lavouras e indústrias de sisal no noroeste baiano para garantir, principalmente, fios e cordas para fazendeiros da Europa e Estados Unidos amarrarem fardos de feno.
Além de penoso e perigo, o trabalho das crianças é quase gratuito. A maioria ganha de R$ 1 a R$ 5 por jornadas de 16 a 50 horas de trabalho por semana.
Pesquisa da Universidade Federal da Bahia com 5.588 dos meninos e meninas de 7 a 14 anos de Retirolândia e Santaluz, 2 dos 37 municípios da região sisaleira da Bahia, mostra que 41,4% trabalham e estudam, mas que menos de 5% chegam à 4ª série.
As crianças do sisal cortam a palma -que tem espinhos na ponta e nas laterais- e depois a carregam e descarregam de jegues. Faz parte do trabalho colocar as fibras no jegue e, em seguida, tirá-la do animal e estendê-la em varais.
A única proteção contra os espinhos é a experiência. Usam camisa de manga comprida para tentar evitar a coceira provocada pela fibra e as queimaduras por urtigas.
Mesmo com alimentação inadequada, há crianças que andam até 10 km e levantam de 200 kg a 500 kg por dia. O processo ainda é semelhante ao de 1903, quando o sisal foi implantado na Bahia, vindo do México. O Estado produz hoje 86% do total produzido no Brasil.
O país é o maior exportador mundial. Vende ao exterior 90% de sua produção -cerca de 120 mil toneladas no ano passado.
Acidentes
Não há números oficiais sobre acidentes nos últimos dez anos. O único disponível é o que afirma que de 1970 a 1985 um total de 2.500 pessoas, entre elas crianças, perderam braços, mãos e dedos.
"Tinha 12 anos e estava colocando as palmas perto do motor. Minha roupa enroscou na correia e, quando vi, minha mão estava no chão. O médico cortou até o cotovelo porque o resto estava esmagado", conta Agnaldo Pereira de Araújo, 19, acidentado em 90. Há quatro anos, ele tenta, sem resultado, se aposentar por invalidez.
As crianças não trabalham só no campo. Nas batedeiras, onde o sisal é batido para perder o pó e ficar mais macio, têm a pior função.
Com camisetas no rosto, um protetor impróprio contra o pó, são responsáveis pela coleta dos sisal que escapa da máquina e perde qualidade. A fibra que colhem é utilizada em bancos de carros e em colchões produzidos fora do país.
Jailson Simões Ribeiro, 13, cursa a 2ª série e está nesse trabalho há oito meses. "Pego até 300 kg de fibra por dia para ganhar R$ 5 por semana. Desde de que estou aqui, nunca sarei da gripe."
Medidas
Só agora as pressões e organizações não-governamentais e de sindicatos de Retirolândia e Santaluz começaram a surtir algum efeito.
Depois do "bode escola" (leia texto ao lado), perto de 5.000 crianças dos dois municípios devem ser incluídas no programa Bolsa Escola, do governo federal. Cada criança receberá R$ 25 para deixar o trabalho e ir à escola.
O governo da Bahia criou uma Comissão Interinstitucional para Prevenção e Erradicação de Trabalho Infantil na Região Sisaleira.
Além dos R$ 25 mensais, a comissão quer mais R$ 25 por criança para mantê-las na escola por período integral. "Vamos enfrentar sem medo a grandeza dos problemas das crianças do sisal, ainda estejamos dando os primeiros passos", afirmou o governador da Bahia, Paulo Souto (PFL).

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