São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Quatro horas por R$ 0,10

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RETIROLÂNDIA (BA)

Na manhã do dia 10 de março, uma segunda-feira, trabalhei por pouco mais de quatro horas com os irmãos Velúcia Oliveira Leão, 12, e Velúcio, 11, e a já casada Silvânia de Jesus Lima, 14, em Retirolândia.
Cortamos perto de 200 kg de palma de sisal, com facas pequenas. Com o facão, tentávamos afastar as urtigas, cujas folhas liberam ácido fórmico, que queima pele.
Nos primeiros dez minutos de trabalho, eu já tinha marcas de sangue na camiseta por conta de três furos no braço direito. "O Ari sangra com os furos. Nunca sangrei", observou Velúcia, irônica.
"Você não acha que fala muito enquanto trabalha?", questionei, sorrindo.
"Quando fico trabalhando sozinha, fico muito triste. Às vezes choro", respondeu.
Já tínhamos carregado e descarregado cinco jegues cheios de palma próximo à máquina em que um adulto desfibra a palma no motor e estávamos ainda na metade da jornada de trabalho.
Velúcia e Velúcio já estavam brincando com os nomes do fotógrafo Juca Varella e o meu. "Juca jumento" e "Ari perna de saci".
Além de cortar e carregar o jegue com as palmas, tínhamos ainda de colocar no jegue as fibras, molhadas, que haviam sido pesadas.
O jegue leva 100 kg de fibra em cada viagem. Acompanhamos o jegue por 2 km de caatinga, até chegarmos ao varal onde o produto foi estendido até secar.
Nas duas viagens, totalizamos 8 km de caminhada. No final da manhã, feitas as contas e dividido por quatro o pagamento, cada um tinha direito a R$ 0,10 pelo trabalho. Dinheiro que, como de costume, só seria pago no sábado.

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