São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Bolsa de FHC não chega às crianças

XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL A PERNAMBUCO

O programa Bolsa Escola, lançado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso nos primeiros dias deste ano, em uma velha casa-grande de um engenho pernambucano, enfrenta dificuldades para chegar à "senzala".
Previsto para funcionar em 13 municípios de Pernambuco, o plano chegou nos últimos dias a apenas três e ainda funciona de forma muito precária.
A bolsa, de R$ 50, é para crianças entre 7 e 14 anos que frequentem 75% das aulas. O investimento é de R$ 10 milhões do governo federal e mais R$ 2 milhões do estadual.
A Secretaria do Trabalho e Ação Social de Pernambuco se esforça para vencer a principal dificuldade: a falta de salas de aula.
Estimativa da secretaria indica que apenas 4.000 das 40 mil crianças que trabalham nos canaviais serão beneficiadas inicialmente.
A meta de Pernambuco é inscrever 13 mil até junho. Para colocar o plano para funcionar, o governo federal estabeleceu acordos com Estados e municípios.
Castigada pelo monopólio da cana-de-açúcar desde os tempos do Brasil colônia, a Zona da Mata nordestina nunca despertou o interesse de usineiros e autoridades públicas para a construção de escolas. Lugar de criança, nessa região, sempre foi o canavial.
"O programa do presidente ainda está no papel, como todos os planos feitos há séculos para ajudar o camponês", diz o sindicalista José Rodrigues, dirigente da Fetape (Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Pernambuco).
Geografia da fome
Há três gerações sem saber o que é uma política de combate ao trabalho infantil, a família de José João Paulo da Silva, 79, também vê com desconfiança a concretização de qualquer plano.
Como Silva, aposentado recentemente, os seus filhos e netos seguem na mesma trilha: pegar a foice e o facão e cortar cana antes dos dez anos(leia texto abaixo).
Área com maiores índices de desnutrição, a Zona da Mata tem sido denunciada pelo menos desde os anos 50, quando o o sociólogo Josué de Castro publicou "A Geografia da Fome" e "O Livro Negro da Fome".
Segundo estimativa da Secretaria do Trabalho e Ação Social, cerca de 40 mil crianças prestam serviços a usinas e fornecedores de cana-de-açúcar somente no Estado de Pernambuco.
Esse número tem diminuído, assim como caiu também o próprio número de empregados adultos.
O Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool informa que as usinas têm sido rigorosas na proibição do trabalho dos menores e também contribuído com a manutenção de escolas.
Mutilados
Há dois anos e meio, levantamento do Centro Josué de Castro, de Recife, em convênio com a entidade inglesa Save The Children, registrou 54 mil meninos (entre sete e 13 anos) nos canaviais.
Eles trabalham pelo menos 44 horas semanais, e 57% deles já foram vítimas de lesões graves em decorrência do uso de foices e facão. Alguns, como Antonio Carlos de Souza, 13, do município de Palmares, chega a cortar 1,2 tonelada de cana por dia.
Souza, que nunca viu um quadro-negro de uma escola pela frente, espera estudar pela primeira vez agora com a possibilidade de ganhar uma bolsa. Ainda não fez sequer a sua inscrição, mas se diz esperançoso.
Palmares e os municípios de Xexéo e Joaquim Nabuco são os lugares que serão beneficiados inicialmente com o programa.
Todos enfrentam a dificuldade de conseguir escolas e até professores para atender à nova demanda, uma tarefa das prefeituras e do governo estadual.
"A iniciativa é inédita e histórica, pela primeira vez se combate de fato o serviço cruel desses meninos", diz o secretário do Trabalho de Pernambuco, Edgar Moury Fernandes. "Vamos derrubar os obstáculos em pouco tempo."

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