São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Só quem morre cedo escapa da cana, diz agricultor

XICO SÁ
DO ENVIADO ESPECIAL

Trabalho infantil é destino na Zona da Mata pernambucana. "Só não cai na palha da cana aquele que tiver sorte de morrer logo quando nasce", diz José João Paulo da Silva, 79, que aos dez já estava armado de uma foice no canavial.
Todos os seus antepassados tiveram a mesma sorte; dos seus 11 filhos somente os quatro que morreram recém-nascidos se livraram do corte da cana. Os netos também seguem o mesmo rumo.
A família Silva, exemplo da perversidade que foi produzida ainda na casa-grande colonial, chega ao final do século 20 como prova da falta de combate ao trabalho de crianças na região.
O avô José João e uma centena e meia de familiares vivem no engenho Pinderama, no município de Ipojuca (a 60 km de Recife), localidade que nem sabe ainda o que seria o programa Bolsa Escola.
Pé de cobra
- Já ouviu falar nesse programa do governo federal? -pergunta o repórter.
- Isso pra gente é como pé de cobra, ninguém nunca viu e nem vai ver -responde José João, seco, descrente.
Ele ainda se queixa de algumas raras ações de fiscalização que aconteceram na Zona da Mata por parte do Ministério do Trabalho. "Além de não mandar nada pra gente, o governo ainda quer tirar os meninos do ganha-pão", diz o agricultor.
Muitos pais das áreas canavieiras têm essa mesma queixa. Não que haja fiscalização rigorosa, mas qualquer conversa sobre esse assunto é motivo de espanto para quem está habituado a trabalhar precocemente.
Para 84% dos pais, os filhos devem mesmo acompanhá-los no trabalho desde criança, auxiliando na renda da família.
Os números foram revelados por pesquisa realizada pelo Centro Josué de Castro, uma organização não-governamental de Recife, em associação com a entidade inglesa Save The Children.
O trabalho dos meninos é basicamente no corte da cana, a etapa mais perigosa.
Alguns também ajudam na "limpa", a preparação do terreno para o plantio.
Normalmente ajudam os pais, que ganham também por produção. O piso salarial nas usinas é de R$ 120 reais.
Segundo a Fetape (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco), muitos fornecedores e usineiros também utilizam crianças para evitar fazer o registro trabalhista de adultos.
Levantamento de rotina feito pela Fetape nos canaviais costuma encontrar, segundo José Rodrigues, diretor da entidade, crianças trabalhando sozinhas, sem estarem acompanhados pelos pais.
"É uma forma de fugir dos direitos trabalhistas, que já são cumpridos de forma precária na região", diz Rodrigues.
Segundo sindicalistas rurais, na faixa de 12, 13 anos, uma criança já atinge de 60% a 70% da produção de um adulto.

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