São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Famílias expulsas criam favela no brejo

DO ENVIADO ESPECIAL

Ribas do Rio Pardo, cidade de 13 mil habitantes em que mais da metade deles vive no campo, já tem favela. Chama-se Brejão do Jabur e abriga cerca de 70 famílias.
Todas foram expulsas de carvoarias pelos donos quando a Delegacia Regional do Trabalho começou a aplicar multas às que empregasse crianças. As carvoarias agora contratam solteiros ou os que deixam a família na cidade.
"Tive de fazer esse barraco na lama porque a Polícia Federal pegou minhas filhas puxando lenha com trator. O patrão pôs a gente para fora sem direito nenhum", conta Severina Pereira da Silva, 56.
As duas garotas tinham 10 e 13 anos, à época. Nenhuma delas havia estudado.
"O estudo era trabalhar", conta Juliana, hoje com 11 anos. Viviam quase como escravos. "Quando a gente recebia R$ 50, já estava devendo R$ 100 por causa da comida que o homem vendia", diz a mãe.
Juliana agora estuda na 2ª série e recebe R$ 50 por mês. Seu maior prazer é andar arrumada. Com a bolsa, comprou sapatos pela primeira vez, bonecas Barbie, material escolar e um vestido de chita, o bem mais precioso para ela. Custou R$ 10. Foi comprado usado.
O dinheiro do Vale Cidadania também é usado para comprar comida. O pai de Juliana ganha R$ 112 por mês. Ela é a primeira dos 12 filhos a cursar a 2ª série. Os outros abandonavam a escola na 1ª.
Iraci Maria de Jesus, 33, sete filhos e dois netos, é uma exceção à regra de que o dinheiro do Vale serve para comprar roupa, calçado e material escolar.
Mesmo com a bolsa, todos continuam miseráveis. É o principal defeito do programa, segundo a irmã Ires da Costa, 49, da Pastoral do Migrante. "Por que os carvoeiros não ganham o suficiente para sustentar suas famílias? Era isso que o governo deveria atacar", diz.
O engenheiro Cláudio Guerra, 45, que estuda o problema, diz que, sem mexer com os empresários, não se erradica o trabalho infantil. "Basta mudar o governo ou faltar dinheiro para a bolsa que as crianças voltem a trabalhar."

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