São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Dinheiro do governo financia mineradora que usa crianças

MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A ARIQUEMES (RO)

O mesmo governo que está em campanha para erradicar o trabalho infantil investe em empresas que se beneficiam da exploração do trabalho infantil.
A ciranda é complexa. A Ebesa (Empresa Brasileira de Estanho S/A), em cuja reserva de cassiterita trabalham 300 crianças com menos de 14 anos e 400 menores de 18, é do grupo Paranapanema. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem 4,7% das ações do grupo.
Menores de 18 anos não podem trabalhar em mineração por ser uma atividade perigosa. A Folha encontrou crianças de até 5 anos na reserva da Ebesa.
A participação do BNDES não é o único recurso público no Paranapanema. Fundos de pensão que recebem verbas do governo são os maiores acionistas do grupo. O Previ, de funcionários do Banco do Brasil, tem 28% das ações; o Petros (Petrobrás), 11,5%.
O BNDES aplica no Paranapanema verbas do Fundo de Participação Social, no qual são depositados recursos do PIS/Pasep.
Para aumentar a renda de trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, um dos objetivos do PIS/Pasep, o BNDES investe em um grupo que se beneficia da exploração do trabalho infantil.
O banco diz que comprou ações do Paranapanema em Bolsa, sem saber onde os recursos seriam aplicados (leia texto abaixo).
Se soubesse, cairia de costas. A reserva de cassiterita da Ebesa, no garimpo do Bom Futuro, parece o resultado de um bombardeio com napalm na selva.
O garimpo fica em Ariquemes, a 360 km de Porto Velho, metade deles em estrada de lama. O que era a Serra do Macaco está virando uma depressão por conta dos cortes feitos nos morros para a retirada da cassiterita. Parece uma ferida vermelha cercada de verde.
Trabalho infantil ali é mais um item num poço de irregularidades. Há contrabando de cassiterita para a Bolívia, onde o metal é trocado por cocaína, e dois rios estão sendo aterrados com o barro que sobra do processo de separação da cassiterita da terra.
Guiados pela empresa
Bom Futuro é a segunda maior reserva brasileira de cassiterita. É com esse metal que se faz o estanho usado para soldar equipamentos eletrônicos. Ele entra também na composição de garrafas descartáveis de plástico e de vidro.
Nos últimos dez anos, o garimpo gerou cerca de R$ 1 bilhão, segundo estimativa da Ebesa.
Hoje, com 2.500 trabalhadores, o garimpo está decadente. Eles chegaram a 25 mil em 1989.
Em 1992, a Ebesa ganhou o direito de lavra sobre a área. Tem hoje 209 funcionários. Os garimpeiros que estavam ali se recusaram a sair, e a Justiça decidiu que eles tinham o direito de ficar.
A Ebesa contesta a decisão, chama os garimpeiros de "invasores", mas acaba comprando quase toda a cassiterita que extraem.
Relatório da Procuradoria Geral da República de outubro do ano passado diz que os garimpeiros são ligados à mineradora.
"É claro o vínculo desses garimpeiros com a Ebesa. É a empresa que orienta o local em que devem extrair cassiterita", diz o procurador do trabalho Lélio Corrêa. O relatório sugere que a Ebesa contrate os "invasores".
São os filhos desses garimpeiros que atuam como "requeiro" -o trabalhador que cava a terra em busca de veios de cassiterita.
É a miséria que empurra as crianças para o trabalho. "Trabalho aqui desde que eu tinha 7 anos para ajudar meu pai", conta a menina Marilei de Souza Vicente, 13, que tem mais dez irmãos. "Ganho R$ 100, R$ 200 por mês e mando para o meu pai".
Ela quebra pedras e separa as com maior teor de cassiterita durante 12 horas por dia.
Não é o trabalho mais perigoso em Bom Futuro. Um deles é feito em barrancos, que são cortados por retroescavadeiras para ficar mais fácil de se achar a cassiterita.
Para ver se o veio encontrado é bom, as crianças fazem uma espécie de toca e se enfurnam em busca do minério. De vez em quando, um barranco desaba.
No mais grave acidente, ocorrido em 1993, caiu um barranco de 40 metros -equivalente a um prédio de 13 andares. Morreram 19 pessoas, entre elas um garoto de 6 e outro de 4 anos, segundo a Ebesa. O sindicato local diz ter contado 42 mortos no soterramento.
Criança, no Bom Futuro, também serve para descer em poços de até 23 metros de profundidade, em busca de veios de cassiterita. As galerias que ligam os poços já alcançam 2 km de extensão.
O risco é duplo: morre-se soterrado ou sufocado pelo gás que vasa no subsolo de vez em quando. Lá, ninguém sabe que trabalho infantil é proibido pela Constituição nem para o que serve o BNDES.

Texto Anterior: Famílias expulsas criam favela no brejo
Próximo Texto: Banco diz que não sabia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.