São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Tráfico de drogas 'alista' 3.000 crianças nas favelas do Rio

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Pelo menos 3.000 crianças entre 9 e 15 anos no Rio de Janeiro têm emprego fixo: trabalham para o tráfico de drogas, vendendo cocaína e maconha ou fazendo a segurança dos pontos-de-venda nas favelas e morros cariocas.
Os dados são de uma contagem informal feita pela artista plástica Yvonne Bezerra de Mello, que faz trabalho social com crianças de rua, mas coincidem com os da 2ª Vara da Infancia e da Juventude.
Nos primeiros três meses deste ano, um terço das crianças e adolescentes infratores atendidos na instituição é "funcionário" do tráfico. O percentual cresceu sete vezes nos últimos sete anos: pulou de 4,59% em 1991 para 17,99% em 1995, até chegar aos 38% registrados no primeiro trimestre de 97.
Na cidade, é comum encontrar garotos de até dez anos oferecendo "um papel" (cocaína), vendido por até R$ 3 a quem passa.
J.S., 15, interno num instituto para menores infratores, começou a vender drogas aos 13 anos, para realizar um sonho: ter um par de tênis "de marca". O garoto trabalhava como "avião", vendendo maconha nas ruas da favela Alvorada, em Santa Cruz (zona oeste).
"Eu conhecia os traficantes. Eles me davam balas e brinquedos. Gostei quando me chamaram para trabalhar. Isso não é trabalho para qualquer um, não. Tem que ter responsabilidade, apanhar da polícia e aguentar sem abrir o bico."
Com 11 anos, J. passou a retribuir os presentes com informações sobre o morro, especialmente sobre a chegada da polícia. Esse é o papel dos mais jovens, os "olheiros", que ganham por informação dada.
Alguns viram "fogueteiros" e soltam fogos de artifício para avisar que a polícia chegou. Nessa função, recebem R$ 50 por semana. Os "'aviões", R$ 200.
Em uma semana, J. ganhou mais do que mãe, a diarista Maria de Souza (nome fictício), que recebe um salário mínimo por mês. Ela diz conhecer as atividades do filho, mas não aceita dinheiro do tráfico.
"Ele ficou diferente, agressivo. Era estranho, porque ele pedia para dormir no meu colo, depois saía feito um bandido para vender droga. Eu chorava todo dia."
Quem trabalha para o tráfico não vive na rua, tem família e faz os primeiros contatos com os traficantes nos morros ou favelas onde moram. Muitos deixaram a escola.
Os maiores viram "soldados", fazendo a segurança dos pontos de drogas. Um "soldado" pode ganhar até R$ 200 por semana.
Entre os recolhidos pela 2ª Vara da Infância e da Adolescência sob acusação de tráfico, quase todos já passaram dos 12 anos. O juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude, Geraldo Prado, diz que qualquer estatística sobre os infratores esconde a "cifra negra": os garotos que não são sequer localizados.
"Mesmo assim, sou contra reduzir a idade de culpabilidade penal de 18 para 16 anos. Nessa idade, é mais fácil recuperá-los e conseguir um trabalho que não seja nem perigoso nem ilegal", diz o juiz.

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