São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Sul valoriza trabalho desde os 7; indústria do fumo é favorecida

BRUNO BLECHER; XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ DO SUL (RS)

A gurizada pega cedo no batente no interior gaúcho. Na região de Santa Cruz do Sul (155 km de Porto Alegre), onde predomina a cultura do fumo, a iniciação se dá aos sete ou oito anos, quando a criança já ajuda o pai em pequenas tarefas na lavoura.
"Aqui o trabalho infantil é valorizado e não há sentimento de culpa. Faz parte da tradição das famílias, em sua maioria descendentes de alemães", diz João Pedro Schmidt, 35, professor de filosofia da Unisc (Universidade de Santa Cruz do Sul) e vereador pelo PT.
Praticada por pequenos agricultores -a área média das propriedades é de 18 hectares-, em regime familiar, a cultura do fumo é base de subsistência de cerca de 12 municípios gaúchos.
O fumo é produzido em sistema de integração com a indústria. O produtor recebe das fumageiras as sementes e financiamento para a compra de insumos.
Em média, os minifúndios da região conseguem renda anual de R$ 8.000 com o fumo, segundo a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra).
Filho de agricultor, Schmidt começou a trabalhar aos quatro anos. "A cultura do fumo exige mão-de-obra intensiva e acaba envolvendo o trabalho de toda a família", afirma.
Agrotóxicos
"Se impedirmos o trabalho infantil, vamos arrebentar o orçamento das famílias", diz Carlos Augusto Fiorioli, promotor de Justiça em Venâncio Aires, cidade a 40 km de Santa Cruz do Sul.
A maior preocupação da Promotoria, segundo Fiorioli, é preservar a saúde das crianças, evitando sua exposição aos agrotóxicos.
Para combater doenças e pragas, os agricultores chegam a despejar 25 quilos de veneno em cada hectare de lavoura. Poucos utilizam equipamentos de proteção.
Nas épocas de plantio e colheita, os casos de intoxicação são frequentes na região. Somente o hospital de Venâncio Aires chega a atender entre 8 e 10 agricultores por dia.
"Durante a colheita de 95, meus dois guris e eu passamos mal e fomos parar no hospital", diz Rogério Aluizio Heinen, 40, produtor de fumo em Venâncio Aires.
Heinen explica que as intoxicações são comuns na época de colheita, por causa dos resíduos dos pesticidas nas folhas. "Basta colher as folhas ainda úmidas pelo sereno e tomar sol em cima", diz.
O problema não é exclusivo da região. Em outro pólo de produção de fumo do país, em Arapiraca (AL), os pais que levam seus filhos para trabalhar nas lavouras estão espantados com o alto índice de suicídios e intoxicações registrados entre crianças e adolescentes.
Em 1996, foram anotados oficialmente 28 suicídios. As vítimas, na maioria, são meninos e meninas que manipulam agrotóxicos.
Estima-se que o número seja ainda maior, pois grande parte das pessoas intoxicadas não passa por hospitais ou repartições onde são feitos registros oficiais.
O pânico diante da situação tem levado muitos pais, que não podem deixar de usar agrotóxicos nas suas plantações, a enterrar em lugar desconhecido pelas crianças os pesticidas.
"Uso na plantação e depois escondo das crianças", diz o agricultor Antonio José dos Santos, pai de Rosileide, que se suicidou em 1996, aos 21 anos, após ter sido vítima, desde os 15, de intoxicação.
Mão-beijada
Responsável por um faturamento de US$ 10 bilhões em 96, a indústria do fumo é favorecida pelo trabalho infantil nas lavouras.
"Essa mão-de-obra é desconsiderada e sai de mão-beijada para a indústria", afirma o agricultor Ari Thessing, 33, vereador em Santa Cruz do Sul.
Também é essa a conclusão de um relatório elaborado pela Comissão Estadual de Combate ao Trabalho Infantil no Rio Grande do Sul.
"A produção é feita fundamentalmente com mão-de-obra familiar. É justamente esse aspecto que garante preços de produção relativamente baixos e permite que o produto possa competir no mercado internacional", destaca o relatório.
As duas entidades que representam a indústria do fumo (Abifumo e Sindifumo) negam esse favorecimento (veja texto abaixo).
Com base em dados do IBGE, o relatório indica também que 36,2% dos jovens gaúchos na faixa etária entre 10 e 17 anos estavam inseridos no mercado de trabalho em 1993.
O contingente de menores trabalhadores é ainda mais alarmante no meio rural, onde atinge 58,6% das crianças na faixa entre 10 e 14 anos.

Colaborou Xico Sá, da Reportagem Local

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