São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Empregar criança era um favor no século 18

IRANDI PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O trabalho infantil não é fato novo na história da humanidade, mas ganha evidência a partir da Revolução Industrial. A própria divisão do trabalho, as tarefas simplificadas e depois automatizadas (taylorismo e fordismo) acabaram propiciando a utilização intensiva dessa força de trabalho.
O que muda no tempo é a proporção da demanda e da oferta, as formas de inserção no mercado, as ocupações e condições de trabalho destinadas a essa faixa etária.
O uso da mão-de-obra infantil é assunto que requer ainda estudos e pesquisas pela sua complexidade e presença ao longo da história. No período da acumulação primitiva, o trabalho era tido como ajuda, e não como trabalho, uma vez que o adulto fazia com sua família todo tipo de atividade em sua pequena propriedade.
Ali, a criança era incorporada na lida da terra, com uma jornada diária intensa e contínua.
Com o aparecimento do comércio e da indústria, estabeleceu-se uma nova divisão de trabalho, simplificando tarefas, criando hierarquias, modificando funções, reservando espaços para aqueles que não tinham formação.
Estas condições acabaram por favorecer a incorporação de crianças em diversos setores da produção. Dar trabalho à crianças, no século 18, era um "favor", um "benefício" dos empregadores para com o Estado, que tinha por obrigação manter as "Casas de Trabalho", instituições que abrigavam crianças pobres que viviam de vadiagem e mendicância, possibilitando formação profissional.
Tratar de trabalho infantil, neste final de século, é retomar a história de vida de crianças e adolescentes das camadas populares ao longo da história; é observar que o "chão da fábrica" teve um papel substantivo na formação dessa força de trabalho, incluindo aí, desde os aspectos da disciplina para o trabalho como a própria formação profissional. Uma das causas da incorporação de crianças pelo mercado de trabalho tem sido a precarização das relações de trabalho, aliada ao mito do trabalho como valor ético e moral.
O trabalho é considerado "formativo", uma "escola da vida", que torna o homem "mais digno". Nunca é considerado como um deformador da infância.
As longas jornadas de trabalho, as ferramentas, os utensílios e o próprio maquinário inadequado à idade resultaram em vários problemas de saúde e elevação dos índices de mortalidade, conforme atestam relatos ao longo da história: "Em 1805, um menino deformado, de 15 anos de idade, explicava a uma comissão de inquérito de Bradford, Inglaterra, a causa de seu defeito físico: trabalhava, em lanifício, desde os 5 anos, em turnos de 14 a 15 horas por dia. Seus joelhos ficaram permanentemente dobrados, por ficar tanto tempo em pé", diz um desses textos.
As primeiras leis de proteção à criança trabalhadora, surgidas diante das denúncias e reivindicações da sociedade, principalmente dos trabalhadores, vêm da Inglaterra, a partir de 1802 ("Carta dos Aprendizes").
Instituía, entre outras disposições, a jornada de trabalho e a fiscalização. A jornada diária de trabalho estabelecida era de, no máximo, 12 horas, tendo sido proibido o trabalho noturno. Esta regulamentação era circunscrita à indústria de algodão e lã.
A Alemanha promulga suas leis de proteção a partir de 1838, a Bélgica em 1840, a França em 1841, a Holanda em 1889, Portugal em 1891. Como se vê, somente a partir do século 19 é que os principais países industrializados da Europa criam, sempre sob pressão, as primeiras leis de proteção à infância trabalhadora.
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) estabeleceu em 1919 a idade mínima de 14 anos para a entrada de menores de idade na indústria (Convenção nº 5). No mesmo ano, a entidade proibiu o trabalho noturno na indústria para os menores de 18 anos (Convenção nº 6).
A primeira lei brasileira de proteção ao trabalho juvenil é de 1891 (decreto-lei nº 1.313). Ela proibia o trabalho noturno em determinadas ocupações, fixava a idade mínima em 12 anos para entrada no mercado de trabalho e a jornada máxima de sete horas.
O Código de Menores de 1927 manteve a idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho aos 12 anos de idade. Também a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), editada em 1943 por Getúlio Vargas, ocupou-se da proteção aos trabalhadores menores de idade em seus artigos 402 e 441.
A Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) proíbem o trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz, e garantem direitos trabalhistas.
O trabalho perigoso, insalubre ou penoso, em locais prejudiciais ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, e em horários e locais que não permitam a frequência à escola também ficam proibidos.
Apesar de toda a proteção legal, do alto grau de desenvolvimento científico, de avanço tecnológico e de mobilização de setores da sociedade preocupados com os direitos humanos e de cidadania de crianças e adolescentes, o trabalho infantil ainda encontra espaços para a sua continuidade.
Dados da Organização Internacional do Trabalho revelam a existência de 250 milhões de crianças, entre 5 e 14 anos, trabalhando em todo o mundo.

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