São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Montadora faz marketing como 'amiga', mas não pune fornecedor

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Montadora faz marketing, mas não pressiona fornecedores
Veículos incorporam trabalho infantil na fabricação de peças metálicas e estofamentos
A mobilização empresarial para erradicar o trabalho infantil permitiu a grandes companhias reforçar o marketing social, com a imagem de "amigas da criança", embora pouco tenham feito até agora para ser reconhecidas de fato como inimigas do trabalho infantil.
Consulta realizada pela Folha junto à indústria automobilística -segmento que mais se envolveu com a campanha da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança- revelou que as boas intenções ainda estão no papel. Ou serviram para aplacar eventuais manifestações de indignação nos países de origem dessas multinacionais.
As montadoras, há um ano, foram chamadas a participar do combate ao trabalho infantil, não adquirindo bens e serviços de empresas e fornecedores que utilizam essa mão-de-obra.
Filiais da General Motors, Volkswagen, Ford e Mercedes-Benz assumiram, por escrito, compromisso de reprimir a exploração de crianças.
Um ano depois, nenhuma das montadoras foi capaz de citar um só caso de fornecedor que tenha sido advertido ou eliminado por conivência, uso ou abuso do trabalho infantil na cadeia produtiva.
Primeiros reflexos
Geraram comoção internacional as denúncias de exploração de crianças na produção do carvão vegetal, primeiro elo da cadeia produtiva do setor automotivo.
A fabricação de veículos também incorpora outros produtos em que há trabalho infantil, como fibras vegetais para os estofamentos.
Mas foram as denúncias de abuso nas carvoarias brasileiras o aspecto mais destacado nos documentos da Organização Internacional do Trabalho, na Suíça.
A Fundação Abrinq visitou as embaixadas dos Estados Unidos, Itália, Suécia e Alemanha, mobilizando autoridades diplomáticas para que os governos desses países cobrassem medidas efetivas das montadoras no Brasil.
Essa mobilização produziu alguns resultados localizados: ainda na ponta inicial da cadeia, algumas siderúrgicas conseguiram reduzir a aquisição de carvão vegetal de terceiros, e há indicações de maior fiscalização em algumas áreas.
A Abrinq aposta na disposição das montadoras de apoiar o governo do Mato Grosso do Sul para combater o trabalho infantil nas carvoarias do Estado.
Lavando as mãos
A questão do trabalho infantil foi levada à Anfavea (associação das montadoras) no final de 1995 pelos diretores Mauro Marcondes (Scania) e Miguel Jorge (Volkswagen).
A entidade decidiu que o assunto deveria ser tratado isoladamente pelas montadoras (a Anfavea é presidida por Silvano Valentino, da Fiat, montadora que não aderiu ao esforço da Fundação Abrinq).
A primeira dessas indústrias a firmar compromisso foi a General Motors, e a que mais se envolveu foi a Volkswagen.
Mauro Marcondes, da Scania, acha que houve uma "participação razoável".
Ele entende que "o resultado foi bom, em termos de conscientização da sociedade".
"A Mercedes-Benz não teve dúvidas em apoiar o programa, mesmo sabendo que o efeito seria simbólico", diz Luiz Adelar Scheuer, 51, diretor de recursos humanos e relações institucionais.
"Não vejo uma grande eficácia no final da linha. Vai ser difícil encontrar carvão onde não haja mão-de-obra infantil", diz.
Ex-presidente da Anfavea, Sheuer acha que deveria ter havido um maior envolvimento da entidade com a Fundação Abrinq.
"Se conseguíssemos que as montadoras assumissem em bloco essa posição, teríamos uma manifestação forte, com os sindicatos, como numa câmara setorial", diz.

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