São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Novo Trabalhismo muda após campanha

ANDREW MARR
DO "THE INDEPENDENT"

O que é o Novo Trabalhismo britânico? É um jovem líder de camisa branca, evidentemente uma pessoa decente, otimista e, mesmo depois de muitas semanas de campanha, ainda novo. É uma campanha sofisticada. É o sorriso de esfinge de Peter Mandelson nos bastidores. São "valores tradicionais num contexto moderno". Em suma, é uma campanha oposicionista, não uma nova filosofia ou um plano de governo.
Neste instante, a não ser que todos britânicos entrevistados nas pesquisas tenham mentido, o Novo Trabalhismo está prestes a chegar ao poder. Mas não importa o que se pensa sobre o Novo Trabalhismo, é pouco provável que continue sendo isso.
Quando se está no governo, não é instigante ou inovador ser a favor da grande empresa: a questão passa a ser quais as empresas você é pró, e como. Uma vez no governo, uma política fiscal prudente não é coisa a ser tratada em entrevistas; passa a ser uma dolorosa luta mensal. Ser "patrioticamente pró-europeu" não ajuda muito quando se trata de fazer escolhas difíceis de negociação.
Uma maneira de enxergar o projeto Blair hoje é compará-lo com o de Margaret Thatcher em 1979. Existem semelhanças: ela chegou parecendo renovadora e surpreendente (afinal, era mulher) durante uma onda de repúdio e tédio com o velho trabalhismo. Não sabíamos exatamente a que viera. Era cercada por pensadores pouco conhecidos e estudiosos de política.
Na época, Thatcher demonstrava mais ou menos tanto respeito pelo Partido Conservador da era Heath e Macmillan quanto Blair demonstra por Eric Heffer, já morto. Como Blair, suas idéias ainda não estavam totalmente formadas. O thatcherismo evoluiu depois que Margaret Thatcher assumiu o poder, à medida que sua personalidade e ideologia foram aproveitando as oportunidades.
Essa comparação com Thatcher é uma que os seguidores de Blair até apreciam. A maioria deles cresceu na era Thatcher. Não chega a ser surpreendente que ela seja evocada como modelo de liderança.
Por essa razão, vale a pena analisar as lições do conservadorismo radical de Thatcher. A grande lição é evidente: que um governo bem-sucedido precisa de um senso claro de liderança e de uma pauta de prioridades exequíveis. Thatcher talvez não soubesse como iria liberalizar e desregulamentar, mas sabia que era isso o que queria.

O Novo Trabalhismo é uma campanha, não uma nova filosofia

Não há dúvida sobre quem manda no Novo Trabalhismo. Mas o que o Novo Trabalhismo se propõe a fazer? Na verdade, já se conhece muita coisa. O Novo Trabalhismo assumiu compromissos claros em relação ao tamanho das classes nas escolas; à garantia de formação profissional e trabalho para 250 mil jovens desempregados; à condenação sem demora de criminosos jovens e à melhora da saúde. Essas promessas, juntamente com as promessas constitucionais, conferem à posição do partido uma clareza que fazia falta aos conservadores em 1979.
Essa lista de promessas é relativamente modesta, e com certeza não chega a constituir um programa quinquenal completo. O que mais o Novo Trabalhismo fará? Isso vai depender, em parte, de com quem ele vai se confrontar.
O primeiro mandato de Thatcher foi moldado principalmente pela maneira como ela explorou os acontecimentos e os desafios -tropeçando na privatização, arrasando os mineiros, confrontando os alemães e franceses sobre a contribuição do Reino Unido ao orçamento da União Européia.
Então, qual é o projeto, a idéia maior à qual Blair poderá se referir nas crises? "Valores tradicionais num contexto moderno." Ontem ele os chamou de "um trato justo, justiça social". Excelente.
Mas como continuar promovendo justiça social quando se está preso a posições macroeconômicas rígidas herdadas dos conservadores, e o mundo lá fora é duro e não perdoa deslizes? Afinal, o "contexto moderno" de Blair, que soa tão cômodo, inclui a pressão global sobre regulamentação e impostos, a concorrência acirrada entre mercados de trabalho e o castigo rápido e certeiro a quem promove a desvalorização.
O Novo Trabalhismo vai mostrar ser um novo tipo de governo populista-conservador, oferecendo algo um pouco melhor aos usuários das escolas e dos hospitais do governo, reprimindo os criminosos e administrando o país de maneira altamente centralizada e convencional? O tom da campanha leva a crer que sim.
A alternativa seria um Novo Trabalhismo politicamente radical, liberador e pluralista -escapando do velho farisaísmo da política britânica, enfrentando algumas das grandes empresas, reformando o sistema eleitoral e lutando para democratizar a União Européia.
Em última análise, é uma pergunta que só pode ser respondida pelo sorridente recém-chegado em sua camisa branca. É simples: de que tamanho é sua ambição?

Tradução Clara Allain

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