São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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De que lado estará a história?

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Vi pela TV as cenas de rua junto à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro por ocasião do anunciado leilão da Vale do Rio Doce. Pouco antes, havia visto um documentário com cenas iguais no Calabouço, em 1968. Tirante um detalhe técnico (umas eram em preto-e-branco, outras em cor), o visual era o mesmo. As causas, aparentemente, diversas. Mas o sentido histórico era o mesmo.
De um lado, o segmento de ponta da ordem, representado pela polícia. De outra, o segmento de ponta de uma sociedade que, nem sempre por meio de seus melhores representantes, está expressando um protesto. Não conheço nenhum caso, na história do mundo, em que o tempo não dê razão àqueles que as autoridades costumam chamar de arruaceiros, de inconformados, de retrógrados.
Tenho alguns documentários dos inícios do nazismo na Alemanha. Os sobas da época também invocavam a modernidade, a razão suprema do Estado. Pergunto: daqui a 20, 30, 50 anos, ao serem exibidas as cenas de anteontem, o que estará dizendo a voz em "off"?
Sobre a questão em si, a venda da Vale, há dois aspectos a serem analisados pelos futuros historiadores: o ideológico, sujeito às chuvas e trovoadas dos modismos políticos e econômicos; e o processual, que inclui a lisura dos meios usados pelo atual governo para impor a sua vontade.
Se o primeiro é polêmico, circunstancial, o segundo já é transparente no essencial: são muitos os buracos legais e morais que denunciam o modo e o ritmo dessa privatização. O açodamento do governo é mais do que suspeito.
Quando os parisienses adquiriram o hábito de erguer barricadas na rua ainda não havia cinema nem TV. No massacre da praça Celestial, em Pequim, já havia. As causas, aparentemente, eram contrárias. Mas a história sempre acaba dando razão àqueles que se insurgem contra a prepotência do príncipe de plantão.

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