São Paulo, domingo, 4 de maio de 1997
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Inteligência vem do berço

GILBERTO DIMENSTEIN

O Instituto de Psiquiatria de Nova York, ligado à Universidade Columbia, gravou a voz de mulheres grávidas, reproduzindo o som que cruza o útero até chegar ao feto. De posse das gravações, o professor Myron Hofer submeteu os bebês, já fora da barriga da mãe, a uma série de diferentes ruídos e notas musicais.
Todas as vezes em que aparecia o som materno, os bebês davam sinais de reconhecimento e reagiam das mais diferentes formas. Entre elas, sugar a chupeta com mais intensidade.
Experiências desse tipo saíram dos laboratórios de pesquisa norte-americanos, congressos científicos ou reportagens especializadas, trazendo a pessoas comuns informações sobre o aprendizado do ser humano.
A revista "Newsweek" lançou na semana passada edição especial sobre o tema; as cópias logo sumiram das bancas, tamanho o interesse dos pais por dicas sobre como devem ajudar no desenvolvimento da inteligência emocional e intelectual das crianças.
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O impacto das novas descobertas confere, agora, notoriedade aos cientistas que estudam o desenvolvimento do cérebro.
O tema pode influir na política pública americana, porque o presidente Bill Clinton convocou os pesquisadores para um seminário na Casa Branca e defendeu que o país se orientasse pelas descobertas, resumidas no relatório "Repensando o Cérebro".
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Graças às novas tecnologias, os cientistas conseguem filmar com detalhes a evolução do cérebro. A partir dessas fotos, eles sugerem que a sociedade está desinformada ao imaginar que o desenvolvimento intelectual está condicionado, essencialmente, às escolas, livros ou computador.
Até os três anos de idade, sustentam os cientistas, se formam as conexões cerebrais que vão influir na capacidade do indivíduo se desenvolver intelectual e emocionalmente.
Fácil entender. Assim como a performance de um atleta depende de seus músculos, o cérebro necessita dessas conexões para favorecer o aprendizado.
É por causa desse processo, por exemplo, que uma criança consegue aprender, muito mais rápido e melhor, uma língua estrangeira se estudá-la até os oito anos de idade.
Aí pode estar o pecado original da pobreza.
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Por que a empregada doméstica sequer consegue transmitir ou escrever uma recado, cena tão comum no Brasil?
Os cientistas sugerem que a falta de escola explica, em parte. A dificuldade de aprendizado viria desde a vida intra-uterina, num processo de deseducação do feto e dos primeiros anos de vida do bebê, inviabilizando os "músculos" do cérebro.
As conexões cerebrais são formadas, segundo os estudos, pelos estímulos exteriores. Os pais que conversam com os bebês, brincam, cantam, abraçam, beijam, lêem histórias, compram brinquedos educativos estariam, de fato, contribuindo para formar a inteligência de seus filhos.
Os limites e possibilidades seriam determinados pela carga genética de cada um, ou seja, pelo que herdamos de nossos ancestrais, combinado com o que recebemos ao nascer e às chances oferecidas ao longo da vida.
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Não se encontram facilmente estímulos nos lares miseráveis, muitos deles marcados pela violência, alcoolismo, negligência.
A negligência da família, de acordo com os estudos, geraria estrutura cerebral que levaria a uma maior propensão à agressividade e dificuldade de relacionamento; as condições sociais ajudariam a piorar ou ajudar.
Daí se vê que a luta contra violência é bem mais ampla do que apenas uma tarefa policial.
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Ao entrar no topo da agenda de um país, o desenvolvimento do cérebro traz sérias consequências e alto preço.
Obriga o Estado brasileiro a canalizar mais e mais recursos às creches, transformando-as em cenários de estímulo intelectual e não em depósitos humanos como, em sua maioria, são hoje.
Coloca a necessidade de uma campanha, estilo promoção do aleitamento materno, para ensinar aos pais como devem cuidar dos bebês. Empresas deveriam ter horários flexíveis para que os pais fiquem mais tempo com os filhos na fase crítica
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Paulo Freire encantou o mundo ao educar as pessoas contra as perversas tendências do berço. Ensinou que ninguém é velho, pobre ou ignorante demais para aprender, baseado no princípio de que sem curiosidade não existe liberdade. Não existe lição mais contemporânea.
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PS - O texto "Repensando o Cérebro" ("Rethinking the Brain") é escrito em linguagem precisa e simples. Pode ser encomendado via Internet. (http://www.familiesandwork.org.). As principais conclusões do livro estão traduzidas para o português e disponíveis por e-mail.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail gdimen@aol.com

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